sábado, 31 de dezembro de 2011


59,4 x 84,1 (desenho de Francisco Luís Fontinha)

Lábios de amêndoa

Me encantam os teus olhos de amêndoa
Suspensos nas alegrias da manhã
Me encanto nos teus lábios de poema
Sobre os meus braços

Deitados nas sílabas da minha língua
Me encantam os teus olhos
Me encantam as tuas mãos
Sobre os meus braços

Dentro do meu corpo
Na busca de um beijo
Ou de um simples olhar…

Me encantam os teus olhos de amêndoa
Suspensos nas alegrias da manhã
Quando acordas
E escreves no meu peito
Com as tuas frases em desejo
Que crescem das tuas mãos que me encantam

Nas alegrias da manhã
Dos teus lábios de poema
Dentro do meu corpo
Na busca de um beijo
Ou de um simples olhar…
Escreves no meu peito; Amo-te.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

30 x 60 Acrílico sobre tela – Francisco Luís Fontinha

A garganta da morte

A solidão dói
A cabeça incha
O corpo mingua

Sobejam flores de saliva
Nos meus lábios de algodão
Afina-se um fio de luz na garganta da morte
Onde abelhas sem asas brincam com as nuvens de ontem
E na água silenciosa da manhã
Mergulha o rio da saudade

A solidão constrói sorrisos
Nos cortinados amarrotados do corredor sem portas
O teto desce até ao soalho

E a dor da solidão
Enrola-se à cabeça inchada
Suspensa no corpo invisível
Sem portas
Sem janelas
Ente o teto e o pavimento

O corpo minguado desfaz-se em poeira
E o vento a leva
E o mar a engole
Na garganta da morte

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

84,1 x 59,4 (desenho de Luís Fontinha)

59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

Um círculo com olhos verdes

Nunca vi o mar,
A minha mãe sonâmbula nas noites de cacimbo desenhava o mar no teto da alcofa, um círculo com olhos verdes e sorrisos e cheiros que aprendi a distinguir antes de adormecer, e eu, e eu passava as tardes a olhar o mar, e eu passava as tardes a ouvir o mar que no canto esquerdo da alcofa batia contra as rochas imaginárias e quando a maré acordava e eu adormecia, o som melancólico e poético do mar entrava em mim e encharcava-me de luzes e de estrelas de papel,
- Porquê mãe,
De luzes e de estrelas de papel saltitando na areia finíssima da ilha do Mussulo, o meu filho pequeníssimo fitando o oceano invisível dentro da alcofa, o meu filho agarrado aos braços da mãe e olhar-me enquanto eu sentado numa cadeira de praia recordava as mangueiras no fim de tarde quando a Bedford amarela se imobilizava depois de caminhar de musseque em musseque, eu chegava a casa, eu chegava a casa e ele deitado a brincar com o mar,
- É tão pequenino Segredava ele para a enfermeira na primeira visita que me fez quando eu misturado com outros pequeninos e de etiqueta no pé para não me ausentar e perder nas ruas de Luanda,
E hoje pergunto-me,
- Nunca vi o mar,
E hoje pergunto-me, A minha mãe sonâmbula nas noites de cacimbo desenhava o mar no teto da alcofa, um círculo com olhos verdes e sorrisos e cheiros que aprendi a distinguir antes de adormecer, e hoje pergunto-me a razão de uma etiqueta suspensa no pé minúsculo, ele de olhos abertos e agarrado aos meus braços fingia que olhava o mar mas eu sabia que não, hoje sei que ela desenhava o mar na alcofa para que eu mais tarde, muitos anos passados, percorra as ruas de Luanda em busca do mar,
- Porquê mãe,
E nunca vi o mar, Um círculo com olhos verdes e sorrisos e cheiros que aprendi a distinguir antes de adormecer, e eu, e eu passava as tardes a olhar o mar, e eu passava as tardes a ouvir o mar que no canto esquerdo da alcofa batia contra as rochas imaginárias e quando a maré acordava e eu adormecia, o som melancólico e poético do mar entrava em mim e encharcava-me de luzes e de estrelas de papel,
- A Bedford amarela para não se perder nas ruas de Luanda, uma etiqueta suspensa no pé minúsculo, eu sentado numa cadeira de praia a ouvir a sombra das mangueiras que batia contra os domingos entre conversas e meia dúzia de Cucas,
As palmeiras murchavam e desciam até à marginal, e ele agarrado ao meu pescoço sonhava com triciclos e papagaios de papel dançando no céu, e adormeci com ele ao meu colo, e ele caiu e quando aterrou no pavimento ouvi-lhe as primeiras palavras,
- Mãe O mar é tão lindo,
Os domingos entre conversas e meia dúzia de Cucas, será que alguém vai ler esta porcaria,
- Pergunto-me Porquê mãe,
Será que alguém vai ler esta porcaria quando as mangueiras desciam até ao capim e as pombas sobre um triciclo de madeira,
- Voavam,
A Bedford amarela estacionada junto ao portão do quintal e ao longe o avô Domingos de braços abertos e me abraçava e me pegava ao colo, eu pendurado no seu pescoço com um olho a ver o mar no teto da alcofa e com o outro a contar os carros em direção ao Grafanil, Catete, Bairro Madame Berman,
Um cavalo branco saltitava e pegava em mim e me levava a ver o mar,
- Mãe O mar é tão lindo,
A minha mãe sonâmbula nas noites de cacimbo e eu tombei e quando aterrei no pavimento,
- Mãe O mar é tão lindo,
Ele sentado numa cadeira de praia a imaginar domingos e conversas entre meia dúzia de Cucas,
- Tão pequenino ele,
Um círculo com olhos verdes e sorrisos e cheiros que aprendi a distinguir antes de adormecer…

(texto de ficção)