sexta-feira, 16 de dezembro de 2011


59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

Insónia da noite

Metade de mim uma árvore despida na saudade
E a outra metade
Um rio que deixou de correr para o mar
E se perdeu nas curvas da montanha

Metade de mim uma nuvem engasgada na manhã
Quando acorda a cidade
E a outra metade
Os silêncios da maré nos sorrisos da lua

Metade de mim um poema amordaçado
Escrito na insónia da noite
Quando sinto que na outra minha metade
Os teus lábios se abraçam e cintilam junto ao mar

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011


59,4 x 84,1 (desenhos de Luís Fontinha)

Árvores sombrias de maio

E corria como um pássaro nos corredores da loucura, abria a janela virada para o jardim imaginário e pintava o rio entre as árvores sombrias de maio, sentava-me e chapinhava nos sorrisos da água até me cansar, cansar-se o rio da minha mão, e corria como um pássaro nos corredores da loucura,
E abria a janela,
E pegava na minha mão,
Abria a janela e pegava na minha mão quando percebia que os lábios do rio fingiam beijos e as árvores fingiam sombras,
É noite,
E da janela, do outro lado do corredor da loucura, vinha até mim o prato de sopa vazio lançado por um louco mais louco do que eu, enormeee, e o louco sorria-me e abraçava-me nos aciprestes da memória,
E corria,
Os pássaros brincavam no corredor da loucura e penduravam-se nos olhos do louco, eu, eu cruzava os braços, eu descruzava os braços, e um parvalhão de cinco em cinco minutos a perguntar-me as horas,
- Que horas são?
Pensava eu horas de comprares um relógio na feira da ladra ou do relógio ou da puta que te pariu,
- Que horas são?
O doutor também ele louco agrafado à ombreira da porta a olhar-nos, e nós, nós a cambalear cabeças e braços nos pratos engraçados e poisados sobre a mesa,
O louco mais louco do que eu atira uma frase ao doutor também ele louco,
- Oh doutor… o senhor é mais maluco do que nós,
E o parvalhão a perguntar-me,
- Que horas são?
E que sim respondia o doutor agrafado à ombreira da porta quando pratos e talhares experimentavam voos curvilíneos sobre as árvores sombrias de maio, E corria como um pássaro nos corredores da loucura, abria a janela virada para o jardim imaginário e pintava o rio,
E o jardim imaginário estava-se borrifando para mim e para o louco mais louco do que eu e para o doutor também ele louco,
- Que horas são?
E igualmente para este parvalhão.

(texto de ficção)