segunda-feira, 9 de setembro de 2024

Uma laranja, só, em cima da mesa

Uma laranja, só, em cima da mesa

Um cigarro acompanhado por uma laranja, deitada, só, sobre a mesa,

Que olha o cigarro embrulhado na maré do cinzeiro. Não é fácil ser cigano, muito pior é ser poeta

Melhor será,

Não ser nada.

 

Ou ser apenas,

Um cigarro.

Que arde na fimbria luz dos teus olhos, e se o mar fosse os teus olhos,

Eu estava triste,

Porque não tinha o mar.

 

Galgo estas vedações de sombra, corro montanha invisível abaixo,

E um loiro desejo

Não sabe o nome da Primavera. Uma asa arde na fogueira dos teus lábios, supondo eu, que hoje a noite está vestida de estrelas e de meninos e de meninas,

Que brincam no silêncio do luar.

 

Tenho um livro para escrever, mas não o escrevo, porque

Santa Apolónia tresandava a milhares de vozes no esquecimento de um apito,

Lisboa/Santa Apolónia – Porto/Campanhã. Eu acreditava sempre que chegava a casa quinta-feira, quando na realidade, eu chegava a casa no sábado, e a minha partida era sempre à sexta-feira…

Parte na linha três o comboio vagabundo com paragens em todos os locais com pilinha

Lisboa/Santa Apolónia – Porto/Campanhã,

E às zero horas lá estava eu com os meus camaradas na tasca das bifanas; diga-se, muito boas.

E sábado era quase noite

E eu

Quase de partida,

Porto/Campanhã - Lisboa/Santa Apolónia,

segunda-feira, sete da manhã, o tempo estava sempre quase bom, nem chovia, nem dormia,

tão pouco, fodia,

no entanto,

junto à noitinha,

havia sempre uma leve brisa; que hoje faz-me lembrar o teu cabelo. Quando o vento o leva a passear sob o olhar

dos

plátanos.

 

Fumava-se nas carruagens, que reconheço, sendo eu fumador, a maior parvoíce. Lembro-me de ir ao médico e sobre a secretária existir um cinzeiro e um cigarro que ardia enquanto me olhava a garganta, ou dentro das salas de aulas, os professores que fumavam.

Nunca senti um cheiro tão intenso a haxixe por milímetro cúbico

Como nas carruagens onde iam militares…

Uma vez partíamos de Campanhã e por causa de uma gaja, que ia com um velho, que um mancebo tinha apalpado a donzela, o velho não

Gostou,

E que toda a carruagem envolta de sombras, já andava tudo à pancada,

E só em Vila Nova de Gaia é que tudo terminou com a paragem forçada do comboio e da entrada da policia. Uma hora depois

Novamente em linha até

Santa Apolónia.

 

Depois não querem que eu seja louco. Eu assistia a tudo isto e muito mais,

De braços cruzados,

Sorrindo.

Fumando coisas.

Como é?

Não vi…

Quero lá saber! Ainda hoje sou assim…

Siga. Amanhã é outro dia. Terça-feira, 10 de Setembro. Dia de embarcação

Para o Vilarelho.

O cacilheiro da tarde, esquecia-se, quase sempre, dos triciclos que uma nuvem

Tinha deixado no cais de Belém.

Para o Barreiro, às vezes, se faz favor

Terra de muita industria,

Mas eu preferia

Belém. A calçada da Ajuda.

 

Depois tínhamos sempre uma desculpa para dar quando acordava a manhã,

Dói-me a cabeça,

E eu

Nunca tive cabeça.

 

Sei que hoje vou sonhar com uma lâmpada de néon, quando a menina, sobre uma mesa, dançava

E os parolos,

A deitarem notas de mil escudos sobre a mesa. Eu, deitei algumas,

E sorria,

De braços cruzados,

A fumar

Coisas. E a inventar poemas para enviar à minha amada, quando eu ainda enviava poemas às mulheres,

Hoje,

Hoje não.

 

Deixei de enviar poemas.

 

09/Set/2024

acreditava

 

acreditava que todas as flores

acordavam com a primavera

acreditava que todos os sorrisos

tinham lábios encarnados

e olhos verdes

acreditava que existia um rio

em cada rua da cidade

acreditava que todos os barcos

tinham um coração de oiro

acreditava que todas as flores

voavam sobre os jardins suspensos da manhã

antes do meio-dia

 

acreditava no amor

que vivia dentro das palavras

que viviam dentro dos livros

que dormiam numa qualquer biblioteca

 

acreditava que todas as flores

acordavam com a primavera

que todas as janelas se abriam

quando regressava o cheiro da morte

ao cemitério da saudade

 

acreditava ingenuamente na primavera

 

Podia ser pior, como diz o meu grande amigo Gijon.

Se estivesses internado e em coma profundo no hospital de Vila Real era muito pior, pá.

 

Esta noite, enquanto saboreava um silenciado uísque e dava umas pinceladas, digitais, no ecrã deste portátil, é o que faz ter ecrãs tácteis, estive à conversa com a minha mãe; é verdade, não tenho vergonha de o dizer, que às vezes, preciso de conversar com ela.

 

E então ela:

Que estou diferente, muito, que estou mais calmo, que está a gostar muito de me ver com a Cristina, que até está admirada por eu ter mudado de vida.

 

Eu:

Escutava-a. E o quão ela tem razão.

 

E claro que os meus leitores irão pensar que eu estou louco, pois a minha mãe já morreu e como é possível, eu conversar com ela?

 

Apenas cerro os olhos e oiço-a!

 

primeira parvoíce do dia,

que hoje,

eu não tenho dia.

que hoje não vou escrever

poesia,

que hoje não vou ler…

e tão pouco pensar

o que me diria

o sorriso do mar.

 

São as tuas mãos a encarnação da Primavera, são as tuas mãos, a galáxia e o afagar do meu rosto,

São os teus beijos nas costas, antes de cerrares os olhos,

No leito em desejo.

 

São as tuas palavras, quando me apetece esconder da multidão, que me acalmam, que me dão esperança

De pegar na tua mão, e de sonhar,

E de amar-te sabendo que sempre que eu precisar

 

Me abraças, me dás o mar.

São as tuas mãos, o primeiro carinho do amanhecer

Depois da noite voar

 

E poisar nos teus olhos. São as tuas mãos, o semear em mim

A alegria de voar,

E deixar um beijo, no teu travesseiro.

Princesa

 

Meu amor, princesa da minha nocturna insónia
Gladíolo solar dos teus olhos
Minha partida é um sorriso
Nos teus lábios
Dos teus seios, meu amor.

O imenso mar
Meu amor, as estrelas são soldados de luz
Em direcção á lua,
E amar-te é uma lágrima que não tem janelas...
É um rio de mouro para o teu corpo
Todo ele disfarçado de livro
Nas mãos do poeta.