quarta-feira, 25 de abril de 2012

Dia de inverno. Vento, frio e chuva. Pergunto-me onde estava no dia 25 de Abril de 1974; dentro de mim respondem, Na escola só de gajos com uma bata azul, edifício caquéctico, na parede as fotografias de dois velhos caquécticos e um crucifixo, e a carteira onde me sentava possivelmente a mesma onde se sentou o meu pai, ou não.

Estrutura cansada

Há um pilar de saudade
na sapata do meu peito
há uma viga de desejo
que poisa no pilar
que vive dentro do meu peito

há um pilar de saudade
que abraça a noite
e olha as estrelas

uma laje aligeirada
sobre o pilar da saudade
à procura da madrugada

há um pilar de saudade
na sapata do meu peito
há uma estrutura cansada
perdida na cidade
e sem jeito.

terça-feira, 24 de abril de 2012

O corpo achatado

Foder todas as palavras que escrevo
escrever todas as coisas que fodo
sem saber
não percebendo
que nas palavras de escrever
há um verbo moribundo
um corpo achatado
não sabendo
que todo
que todo o poema está doente
sofrendo
sofrendo nas sílabas do enforcado
foder todas as palavras que escrevo
e não sei
e não se devo
e não sei se devo desistir deste mundo...

escrevo
sem saber escrever
escrevo sem saber escrever
foder
foder todas as palavras que escrevo
em todas as coisas que fodo

que todo o poema está doente
que todo o poema está doente e não sente
não sabendo
sofrendo
não sabendo sofrendo
que todas as palavras que fodo
de todo
não são gente

são palavras
não sabendo
sofrendo
são palavras felizmente.

À porta do café

Vou ao café
fico de pé
procuro na algibeira
a maldita carteira

olho a empregada
meia destrambelhada
tanta gente
porque hoje é feira
procuro na algibeira
a maldita carteira
fico de pé
e não tomo café

contente

enrolo um cigarro
à porta do café
em pé
pego na mortalha
e o canalha
um cabrão ao passar
sem me olhar
(este filho da puta está a fazer um charro)
olho a empregada
meia destrambelhada

(Vou ao café
fico de pé
procuro na algibeira
a maldita carteira)

e o mesmo cabrão
sem coração
o canalha que passou sem me olhar
a murmurar...

(é preciso ter fé)

vai ter fé ao caralho
(porque para tomar café
preciso da carteira
na algibeira)
recheada
como a empregada
destrambelhada.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

1029


Vivo na cidade dos beijos,
- Querido Francisco, as coisas por aqui vão cada vez pior, sonhei com uma placa onde jazia o número 1029, Acreditas?, com os últimos cinco euros que me restavam comprei uma fracção da lotaria com este número, Acreditas? Não saiu, nada, portanto os sonhos basicamente são uma treta, sonho com gajas que nunca vi na vida, tão pouco sei se existem, coisas estranhas, esquisitas, e o 1029 em vão... Sim meu querido, Azar ao jogo Sorte no...
vivo na cidade dos beijos, Azar ao jogo Sorte no inferno que são as ruas da cidade dos beijos, e o 1029 não saiu, pego no número e transformo-o numa matriz e obtenho triângulos rectângulos, coisas esquisitas e sem nexo, números, matrizes, equações, triângulos, muitos triângulos,
-querido Francisco
vivo na cidade dos sonhos, e ao fundo da rua vejo o rio do desejo, entre as duas margens a ponte enfeitada com lábios vermelhos, e o cabrão do 1029 não saiu, e o cabrão do 1029 numa placa de silício a martelar-me a cabeça,
- querido Francisco, as coisas aqui vão cada vez pior, sonhei...
Não meu querido, não saiu o cabrão do 1029.