Canso-me da vida
Canso-me dos alicerces de prédios em ruina
E de vidas descruzadas em manhãs submersas
Em olhares de maré
Em gritos de revolta
Canso-me das ruas e dos relógios de pulso
Sempre a recordarem-me que envelheço
E me transformo a cada segundo
Numa sombra mortuária da noite escura
Da noite de ausências
Canso-me do sonambulismo dos meus olhos
Presos a uma vedação de arame invisível
Com vista para o mar
Sem gaivotas
E barcos enferrujados
Made in China
Canso-me das árvores
Que escondem poemas defecados
Numa sombra imaginária
Canso-me do rio
E quando o olho
Rio nenhum
Milhões de cadáveres metálicos
Abraçados a beijos de tungsténio
E sexos de aço inoxidável
À procura de um porto de abrigo
Canso-me das minhas mãos embrulhadas em tinta
E que procuram na tela seios encarnados
E púbis descarnados junto ao pôr-do-sol
Antes de cair a noite
Quando deixo de me cansar
Canso-me da vida
(e se a vida se cansa de mim, paciência, problema dela)
Canso-me das palavras que escrevo
E que não fazem sentido
Quando deixo de me cansar
Antes de cair a noite
E entra a noite nos meus miseráveis aposentos
E eu cansado
E eu farto
E eu
Nunca me canso de olhar
O menino de pulseira no bracinho
E crucifixo ao peito
quinta-feira, 19 de janeiro de 2012
quarta-feira, 18 de janeiro de 2012
Noite sobre a cidade
84,1 x 59,4 – Francisco Luís Fontinha
Desce a noite sobre a cidade
E os homens e os pássaros e as árvores e as ruas
E o rio
E o desejo e a saudade…
Extinguem-se nas asas de um sorriso
Tudo morre
E das cinzas renasce um fio azul embrulhado num abraço
E um papagaio de papel de muitas cores
Voa nas lágrimas de um menino
Extinguem-se nas asas de um sorriso
As coisas boas da vida
terça-feira, 17 de janeiro de 2012
O mendigo dos tempos modernos
Sou um mendigo dos tempos modernos,
Culto e inteligente e prostituo-me intelectualmente, sento-me à mesa do café e converso de politica e converso de economia e que os mercados são uma merda e que se fodam todos, falo aos meus amigos de literatura e poesia e pintura, já fumei toda a merda que há para fumar e leio muito, e li também muita merda, e leio muito porque estupidamente o meu pai quando eu menino dizia-me que ler era muito importante, mas o meu pai esqueceu-se ou não previu a chegada do vinte e cinco de abril e que uma cambada se ia instalar pelas árvores dos jardins, meus deus, tantos macacos em tão poucas árvores, e assim atualmente não importa se li muito ou se tenho habilitações,
Importam as árvores,
Falo aos meus amigos de António Lobo Antunes, e meus deus, o que seria de mim sem os livros dele, falo aos meus amigos de Saramago Cesariny AL Berto Luís Pacheco Milan Kundera Proust Gogol Tolstoi Dostoevsky, falo aos meus amigos de literatura Cubana, e gosto e adoro, falo aos meus amigos do Big Bang e da partícula de deus e de hipercubos,
Mas continuo a ser um mendigo dos tempos modernos que pediu a isenção de taxa moderadora, um mendigo dos tempos modernos que depois da palestra tem direito a tomar café e água sem gás e um maço de cigarros, porque os meus amigos são porreiros, e é tão fácil ser prostituto intelectual,
Faço programas em folhas de cálculo e tive lições de estruturas, foi um prazer estudar aços e ligas metálicas e termodinâmica e física e matemática, mas o que eu gosto,
Mas o que eu gosto é de ser prostituto intelectual e falar aos meus amigos de literatura e falar aos meus amigos de poesia e falar aos meus amigos de pintura, escrevo umas merdas e pinto outras tantas, e leio
E leio muito,
E antes de me deitar olho-me ao espelho e do outro lado um filho da puta qualquer sorri-me e eu sorrio-lhe e pergunta-me E pergunta-me se sou feliz,
E que mais eu posso querer Respondo-lhe Eu tenho tudo,
E claro que sou feliz porque enquanto tiver livros do António Lobo Antunes para ler sou muito feliz,
Sou um mendigo dos tempos modernos, Culto e inteligente e prostituo-me intelectualmente, sento-me à mesa do café e converso de politica e converso de economia e que os mercados são uma merda e que se fodam todos,
Vou fazendo uns bicos (e o escritor alerta que bicos são pequenos trabalhos e não broches),
Tomo comprimidos para dormir receitados pelo meu amigo psiquiatra, porque sendo um mendigo profissional dos tempos modernos, tenho alguns amigos porreiros,
E vou fazendo uns bicos e confesso que sim,
Sou feliz,
Enquanto tiver livros de António Lobo Antunes para ler, muito feliz,
E que deus lhe dê muita saúde.
Francisco Luís Fontinha
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