Canso-me da vida
Canso-me dos alicerces de prédios em ruina
E de vidas descruzadas em manhãs submersas
Em olhares de maré
Em gritos de revolta
Canso-me das ruas e dos relógios de pulso
Sempre a recordarem-me que envelheço
E me transformo a cada segundo
Numa sombra mortuária da noite escura
Da noite de ausências
Canso-me do sonambulismo dos meus olhos
Presos a uma vedação de arame invisível
Com vista para o mar
Sem gaivotas
E barcos enferrujados
Made in China
Canso-me das árvores
Que escondem poemas defecados
Numa sombra imaginária
Canso-me do rio
E quando o olho
Rio nenhum
Milhões de cadáveres metálicos
Abraçados a beijos de tungsténio
E sexos de aço inoxidável
À procura de um porto de abrigo
Canso-me das minhas mãos embrulhadas em tinta
E que procuram na tela seios encarnados
E púbis descarnados junto ao pôr-do-sol
Antes de cair a noite
Quando deixo de me cansar
Canso-me da vida
(e se a vida se cansa de mim, paciência, problema dela)
Canso-me das palavras que escrevo
E que não fazem sentido
Quando deixo de me cansar
Antes de cair a noite
E entra a noite nos meus miseráveis aposentos
E eu cansado
E eu farto
E eu
Nunca me canso de olhar
O menino de pulseira no bracinho
E crucifixo ao peito
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