E corria como um pássaro nos corredores da loucura, abria a janela virada para o jardim imaginário e pintava o rio entre as árvores sombrias de maio, sentava-me e chapinhava nos sorrisos da água até me cansar, cansar-se o rio da minha mão, e corria como um pássaro nos corredores da loucura,
E abria a janela,
E pegava na minha mão,
Abria a janela e pegava na minha mão quando percebia que os lábios do rio fingiam beijos e as árvores fingiam sombras,
É noite,
E da janela, do outro lado do corredor da loucura, vinha até mim o prato de sopa vazio lançado por um louco mais louco do que eu, enormeee, e o louco sorria-me e abraçava-me nos aciprestes da memória,
E corria,
Os pássaros brincavam no corredor da loucura e penduravam-se nos olhos do louco, eu, eu cruzava os braços, eu descruzava os braços, e um parvalhão de cinco em cinco minutos a perguntar-me as horas,
- Que horas são?
Pensava eu horas de comprares um relógio na feira da ladra ou do relógio ou da puta que te pariu,
- Que horas são?
O doutor também ele louco agrafado à ombreira da porta a olhar-nos, e nós, nós a cambalear cabeças e braços nos pratos engraçados e poisados sobre a mesa,
O louco mais louco do que eu atira uma frase ao doutor também ele louco,
- Oh doutor… o senhor é mais maluco do que nós,
E o parvalhão a perguntar-me,
- Que horas são?
E que sim respondia o doutor agrafado à ombreira da porta quando pratos e talhares experimentavam voos curvilíneos sobre as árvores sombrias de maio, E corria como um pássaro nos corredores da loucura, abria a janela virada para o jardim imaginário e pintava o rio,
E o jardim imaginário estava-se borrifando para mim e para o louco mais louco do que eu e para o doutor também ele louco,
- Que horas são?
E igualmente para este parvalhão.
(texto de ficção)