quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Árvores sombrias de maio

E corria como um pássaro nos corredores da loucura, abria a janela virada para o jardim imaginário e pintava o rio entre as árvores sombrias de maio, sentava-me e chapinhava nos sorrisos da água até me cansar, cansar-se o rio da minha mão, e corria como um pássaro nos corredores da loucura,
E abria a janela,
E pegava na minha mão,
Abria a janela e pegava na minha mão quando percebia que os lábios do rio fingiam beijos e as árvores fingiam sombras,
É noite,
E da janela, do outro lado do corredor da loucura, vinha até mim o prato de sopa vazio lançado por um louco mais louco do que eu, enormeee, e o louco sorria-me e abraçava-me nos aciprestes da memória,
E corria,
Os pássaros brincavam no corredor da loucura e penduravam-se nos olhos do louco, eu, eu cruzava os braços, eu descruzava os braços, e um parvalhão de cinco em cinco minutos a perguntar-me as horas,
- Que horas são?
Pensava eu horas de comprares um relógio na feira da ladra ou do relógio ou da puta que te pariu,
- Que horas são?
O doutor também ele louco agrafado à ombreira da porta a olhar-nos, e nós, nós a cambalear cabeças e braços nos pratos engraçados e poisados sobre a mesa,
O louco mais louco do que eu atira uma frase ao doutor também ele louco,
- Oh doutor… o senhor é mais maluco do que nós,
E o parvalhão a perguntar-me,
- Que horas são?
E que sim respondia o doutor agrafado à ombreira da porta quando pratos e talhares experimentavam voos curvilíneos sobre as árvores sombrias de maio, E corria como um pássaro nos corredores da loucura, abria a janela virada para o jardim imaginário e pintava o rio,
E o jardim imaginário estava-se borrifando para mim e para o louco mais louco do que eu e para o doutor também ele louco,
- Que horas são?
E igualmente para este parvalhão.

(texto de ficção)

59,4 x 84,1 (desenho Luís Fontinha)

Desenhos de um poema – Luís Fontinha

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011


59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

Jardim da saudade

Converso com as vozes
Que conversam comigo
E escrevo-lhes na calçada da noite
Sobre os lençóis de malmequer
No jardim da saudade
Converso com as vozes e oiço as árvores

Quando me sento no jardim da saudade
E desenho gaivotas nas folhas cansadas dos plátanos
E desenho as conversas das vozes
No sorriso do silêncio
Antes de adormecer
Sobre mim o ténue cortinado disfarçado de abraço

Que as vozes
Semeiam palavras na terra árida da minha mão
E se deitam na charrua de aço
Que corre que corre que corre para o mar
E dos rochedos perplexos e nos rochedos agoniados
Pelo cansaço da manhã

As vozes
Esqueletos travestidos de areia
Atravessam o limite da lua
E desaparecem entre os pingos sedosos da chuva
As vozes calam-se e alguém as censura
Dentro de um caderninho amordaçado no jardim da saudade