Dizes-me que a noite é uma construção
em néon adormecido,
vives pedindo-me palavras, vives...
regateando silêncios entre carris de aço,
dizes-me que sou um cadáver
embriagado,
triste... triste e sem cansaço,
sem o cansaço pedestal do azoto,
Dizes-me que amanhã não há paixão,
que todos os rios são solitários e
casmurros, e... e sem mãos para as caricias do amanhecer,
sinto-te embalada no gatilho do incenso
coração,
sem a espingarda neblina teu olhar,
sem... sem flores a envelhecer,
e mesmo assim, dizes-me que sou um
transeunte envenenado pela solidão,
Dizes-me que sou a tua nuvem colorida,
mas apenas o dizes quando te convém,
dizes-me que na madrugada nua...
não há nada, nada, nem ninguém,
porque me dizes ser eu uma estrela de
algodão?
Dizes-me que não entendo os teus
lábios em puro cristal,
que sou desastrado, ingénuo... que sou
um falhado,
que sou o teu livro do mal...
como petroleiros da insónia esperando
o marinheiro apaixonado,
como o triste vagabundo... no Inferno
da cidade dos canibais,
Dizes-me que a noite é uma construção
em néon adormecido,
pergunto-te se nos teus seios habitam
jasmins, amoreiras... rosas encarnadas,
respondes-me que não, e dizes-me que
há em ti o sorriso envelhecido,
como gelatina encaixotada nas janelas
desalmadas,
e depois, depois... desapareces entre
as rochas e os cadeados invisíveis do desejo.
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 26 de Março de 2014