Minhas queridas ovelhas,
Lanço ao fogo estas
minhas pobres palavras com o sofrimento alicerçado ao peito, que estas, se
transformem em cinza, e vós, minhas queridas, nunca saibam o que vos escrevo.
Ontem, pela noite adentro,
quase às três horas da madrugada, peguei num pequeno livro, abri-o e no final
da página li – o leão é o Rei da selva. (de mão trémula, senti o medo
disfarçado de luz)
Puxei de um cigarro, e
sentado numa cadeira de vime, de perna cruzada, e de janela aberta com
fotografia para o quinteiro, ouvi a (estrelada) em conversa cavaqueira com a
ovelha da minha vizinha, a (tulipa), e a minha vizinha, a Joaninha, ao telefone
com o namorado ou com a namorada ou com o Presidente Associação de Musas
Inspiradoras (AMI), o que falavam, não o sei, mas pelo ar de exaltação dela, tudo
se resumia a fotografias tiradas junto ao rio.
(o rio, sem saber porque
choravam as ovelhas, também ele, desatou a chorar)
E ao longe, a ponte
abraçada à neblina que a manhã semeava na sombra dos braços do luar, começava a
erguer-se o silêncio que regressava da caçada da noite anterior.
Pela aparência do
silêncio,
Caça nenhuma.
A (estrelada), que uma
certa tarde foi atingida com uma pedra na pata, pedra lançada pelo rapazote
Serafim, um rapaz, comunicador e com estrutura de artista, e já farto de levar
a (estrelada) para o pasto; pimba. Uma pedra certeira na pata e acabaram-se as
tardes no pasto. Esperto, este artista, Serafim, poeta, fadista, barbeiro,
agricultor e sedutor.
À noite, enquanto a minha
vizinha se encontrava na escuridão com o namorado, ou com a namorada ou com o
Presidente da (AMI), a ovelha (tulipa), saltava do terceiro esquerdo e num
ápice, fazia-se passear na minha varanda em pequenas provocações para fazer crer
à minha ovelha (estrelada) a boa forma física com que estava; coisas de
ovelhas. Vaidosas.
Serafim desconhecia que
no futuro iria ter um sobrinho poeta e pastor de quatro ovelhas; mas também ele
desconhecia que o leão era o Rei da Selva, tão pouco desconhecia onde encontrar
a selva, e apenas sabia apontar no mapa a sua localização. Um dia, descobriu a
paixão.
E sabem, minhas queridas,
dá sempre jeito um poeta ser pastor, pois assim, ou talvez não, ou talvez sim,
oiço do AL Berto que “o mar entra pela janela e que o soldado falha o degrau do
eléctrico que vai para a Ajuda, e não sabe se ele fode ou se ele ajuda”,
E da Ajuda,
Uma carta de amor para a
Província.
Minhas queridas quatro
ovelhas,
Espero que estejam bem,
quanto a mim, vou andando, uns dias bem, outros menos bem, e outros…
O soldado dispara a bala
na cabeça.
Dizem que foi por amor.
Ignora o silêncio,
escreve luar na vidraça, e deita-se sobre a cama à espera que o sabor do uísque
desapareça da boca e depois, após algumas horas de sono, sair em busca de
engate.
A loucura dos pássaros. A
(estrelada) desmaiou quando percebeu que eu era um favo de mel e que dormia
junto à Torre de Belém e que era procurado por homens, homens em busca de sexo;
eu, apressadamente, fugia. Em passo apressado, em corrida desmedida que apenas
a (estrelada) consegui imitar, até que entrava num bar junto ao Museu dos
Coches e uma amiga me acolhia na casa de banho. Depois, voltava novamente a
vaguear pela cidade.
Sabes, minhas queridas…
Deixei há muito tempo de
ter notícias do Serafim, e agora que o recordo, com ternura e com paixão, de
sobrinho para tio, digo-vos que o meu tio artista ainda hoje me escreve cartas;
e actualmente, apenas ele me escreve e um qualquer parvalhão que deixa
comentários no meu blog, que provavelmente não percebe de poesia, o que é a
paixão e a insónia e que teima que eu, o poeta e pastor de quatro ovelhas, o
traí. O sonho tomou conta dele.
Os ciúmes das minhas ovelhas
quando vêem a ovelha da minha vizinha (tulipa) em passeios nada apressados na
minha varanda. E se a deixassem, acredito que voava.
Voava como eu voei sobre
a cidade que acabava de acordar, e quando metia a mão na algibeira, um pedaço
do mar salta e começava a descer a calçada.
A Ajuda – quanto ao
eléctrico, já não me lembro, mas que “o soldado falha o degrau do eléctrico que
vai para a Ajuda, e não sabe se ele fode ou se ele ajuda”, esse sim, nem fode
nem ajuda.
Ontem, depois de uma
sessão de poesia, e depois de muitos uísques e algumas radiografias de sono,
entramos num bar, no Bairro Alto, sentamo-nos, pedimos uísque e, homens
beijavam-se apaixonadamente. Puxei de um cigarro e resolvi, quando regressasse
ao quarto escrever-vos; e cá estou eu, minhas queridas. Ausente numa Lisboa que
sempre me pertenceu e que hoje é apenas um sonho, um comboio para Cais do Sodré
e pouco mais…
O suor entranhava-se no
corpo como o cacimbo de outras latitudes, e uma abelha começou a poisar no meu
favo de mel.
Afinal, não é o leão o
Rei da selva.
Os Reis, os Reis são os papagaios
em papel que a minha mãe construía e que hoje guarda junto ao peito, para
quando tiver saudades minhas, recordar-me.
O poeta, pastor de um rebanho
de quatro ovelhas, hoje, escreve cartas aos olhos do mar.
Até breve, minhas
queridas ovelhas!
Alijó, 30/11/2022
Francisco Luís Fontinha
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