As frestas do teu olhar deixavam entrar as finíssimas lâminas de luz que em viagem regressavam dos rochedos em flor,
Inventa-me, enquanto
acredito nas feras amansadas das tristes noites de Primavera.
Deste veleiro em busca do
vento, oiço as canções das tuas lágrimas, com que te escondes enquanto as
flores do meu jardim, entre os parêntesis da manhã, correm para o mar.
E o mar ergue-se na
alvorada, ele é pássaro, ele é nuvem, ele é a luz…
O corpo flutua nas tardes
junto ao cais, a caneta que dá vida às palavras, separa-se do corpo, troce-se
sobre a mesa, e esta cidade sufoca-me,
O cigarro morre,
Entre olhares, a rádio em
ecos desvairados, os animais em círculos, caminham para o areal em sinfónica maldade
da noite, quando a paixão mergulha nas mãos de um mendigo; as flores, meu amor,
as flores que transportas nos teus olhos cinzentos e de mil e uma palavras, o
barco morre, e termina o luar nas tuas mãos.
Este mar de insónia, morre-me,
E acredito que as
palavras que deixo no teu diário, também vão morrer, de tédio.
Cruzas os braços, e
também eu, de tédio, morrerei numa tarde de sono. Agora, vêm a mim a tua mão,
pegas no meu olhar, e em pequenas fatias de paixão, voamos em direcção ao Sol.
Sou o sono, oiço-te.
E estamos vivos porque as
cancelas da noite nos prendem ao calendário diurno das tardes em poesia,
beijo-te e invisivelmente, sou a fera metálica das lareiras em chama, e ardem
nos teus braços as flores cintilantes do olhar.
A tua voz, morre-me,
E morrem-te as minhas
palavras em ti, como morrem todos os poemas que escrevo.
Voamos em direcção ao Sol,
como voaram todas as abelhas das colmeias que habitavam junto ao rio. Depois,
os sonhos mergulharam nos degraus que nos levavam até ao sótão.
E este barco dorme
docemente nos teus seios, quando a minha boca inventa em ti as sonâmbulas
lágrimas dos socalcos floridos; um barco, um barco de silêncio nas tuas coxas,
meu amor.
E cai sobre ti a alvorada
e as frestas do teu olhar.
Alijó, 25/11/2022
(Francisco)
(ficção)
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