sexta-feira, 1 de novembro de 2013

cidade das insónias de papel

foto de: A&M ART and Photos

tínhamos medo do sono e inventamos o desejo
aprendemos a abraçarmos-nos enquanto lá fora rodopiavam as moléculas de suor dos teus olhos
e havia sempre uma lâmpada ténue nas pálpebras da solidão
tínhamos nas nossas bocas imundas os doces triângulos das planícies apodrecidas
e do relógio suspenso na parede da sala um fio esguio de seiva mergulhava nas entranhas da terra
ela era queimada
recheada de fendas
e marés embrionárias
as crianças brincavam na palma da mão da inocente manhã acabada de acordar
estávamos livres do sono
e pertencíamos às tristes janelas sem literatura viradas para o Tejo
ouvíamos os órfãos comboios guinarem na próxima curva do teu corpo

segurava-me a ti e sentia-te na ponta dos dedos
percebia que usavas um corpo esquelético
belo
como as rosas dos jardins públicos da cidade das insónias de papel

tínhamos descoberto o medo do medo
e não tínhamos as palavras para escrevermos nos muros da calçada
“amamos-nos”
tínhamos medo das nossas próprias bocas
e do nosso uno abraço de saliva
fugíamos da noite sabendo que havia em nós uma corrente de aço invisível que nos acorrentava enquanto a lua vomitava versos orgias em pequenos telhados de sémen
tínhamos
… “amamos-nos” provavelmente... sim
não sabemos se o éramos depois de romper a madrugada
e no entanto sentíamos as asas dos plátanos envelhecidos
poisarem nos nossos corpos húmidos em pequenas fatias de paixão


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 1 de Novembro de 2013

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