quinta-feira, 21 de maio de 2020

O mar


(a pequenina bola de algodão)





No mar. Embrulhada nas palavras, a pequenina bola de algodão saboreava as sílabas do desejo, inventava paisagens perto de um rio, esquelético, frio e, ausente, a pequenina bola de algodão sabia que um dia, do mar, o seu mar, regressaria a paixão dos peixes, os poemas e, algo mais estranho do que simples palavras; a ausência de.

Dormia no sótão dos beijos, tinha sobre a cama algumas bonecas de trapos, a quem diariamente, penteava como se fossem searas de trigo abraçadas ao vento, do rio, o cheiro intenso a lágrimas de despedida, como quem parte e nunca mais regressa, ao destino, fugia-lhe sempre que podia, pois da ausência, a ausência escrevia nas suas mãos as tempestades de música, alguns desenhos e, livros.

No mar. Sentava-se num rochedo de silêncio, desenhava na areia as paisagens brancas da infância, pequenas luzes multicolores que habitavam do outro lado do sótão, como as flores murchas de um jardim envelhecido. Todas as noites jazia gritos nas janelas sombreadas da cidade dos vidros, adormecia agarrada aos braços do poeta, enquanto ele, fumava cigarros invisíveis e, dos incêndios clandestinos da manhã, outras gravuras se levantavam do chão; é tarde, meu amor e, amanhã, sempre que possa, a lonjura da solidão será apenas uma fotografia, velha e, ténue.

Velha e rabugenta. No mar. do mar. a pequenina bola de algodão, todas as tardes, banhava-se nos imperfeitos nevoeiros que longinquamente dormiam junto à tapada, as árvores e, os pássaros, como eu, como ela, desvaneciam nas pedras murchas da eira, quando o cereal já brincava e, meninos com uma bola, todos em calções, atiravam máquinas em papel contra as paredes de tangerina. Tenho medo, dizia às vezes a pequenina bola de algodão,

Do mar?

Não. No mar. Da noite cansada e vencida, das toalhas em desalinho sobre uma mesa destruída pela idade e, a velha flor, essa, não tinha medo. Beijas-me?

No mar?

Uma canção de incenso escondida na noite.

E, acordava a manhã nos teus braços de algodão. Uma canção, sempre a mesma, ausentava-se da melodia e, em pequenos gritos, alguns, renascia das húmidas tarde de Primavera.





Francisco Luís Fontinha

Alijó, 21-05-2020

quarta-feira, 20 de maio de 2020

as palavras

as palavras construídas nos teus olhos
das palavras dos sexos em delírio
às palavras sem destino
quando o mar avança
a terra se esconde
na tua mão
as palavras de nada
que eu escrevo para ti
são palavras envenenadas
palavras
cansadas
nas palavras amadas.
as palavras do menino
as palavras em lágrimas
poemas
palavras
choradas
as palavras que escuto na tua mão
quando o sol se deita na alvorada
são palavras
palavras de nada.
ai as palavras dos teus lábios
poesia que escorre pelo meu corpo
são palavras abandonadas
na tarde das palavras.


Francisco Luís Fontinha
Alijó, 20/05/2020

segunda-feira, 18 de maio de 2020

Em cada olhar teu


Em cada olhar teu,

Uma estrela me ilumina.

Em cada cansaço,

Uma nuvem de estanho se alicerça a mim,

Sorri,

E, me encaminha,

Para o teu abraço.

Em cada silêncio teu,

Um rio se ergue,

Me abraça,

E, esquece,

Que a estrela que me ilumina,

Tem nome,

É uma barcaça,

No infinito dia a terminar.

Em cada olhar teu,

O mar,

Um barco cheirando a mar,

Te beija,

E, acaricia o teu sorriso.

Em cada olhar teu,

Um coração de lata,

Foge,

Corre,

E morre na sanzala.







Francisco Luís Fontinha

18/05/2020