domingo, 17 de dezembro de 2017

Menino sem destino


Conheci-te na plenitude da vida,

Eras uma árvore sem destino,

Cansada de habitar o meu jardim,

Parti e ficaste suspensa no cacimbo, e, até hoje, vives na clandestina noite,

Ausente,

Permanentemente sofrida com os corpos que abraçaste,

Longínqua tarde de despedida,

Nada a fazer, meu amor,

A saudade alicerça-se ao olhar dos flamingos,

Saltitando na tua sombra,

A morte, a sofrida morte entre parêntesis,

Numa pequena folha de papel…

 

Conheci-te era eu criança, menino sem destino,

Brincava nos teus braços,

Como se fosse uma andorinha na Primavera,

Alegre, agachava-me debaixo de ti, meu amor,

E, alegremente sonhava com os teus frutos,

As mangas, as folhas caiam derradeiramente sobre o meu cabelo,

E dos calções, as primeiras palavras escritas no teu tronco,

 

Amo-te!

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 17 de Dezembro de 2017

quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Tardes meninas


Todos os dias são horários perdidos,
Filhos ensonados
Nas lágrimas da madrugada,
Todos os dias são barcos esquecidos
No cais da alvorada,

Todos os dias são pássaros cansados.

Todos os dias são corpos embalsamados,
Corredores ensopados
De tristeza e azedume.

Todos os dias ardem. Todos os dias são lume
Que a lareira consome,
Todos os dias são fome,
Nas tardes de ciúme.

Todos os dias são morte,
Manhãs sem sorte,
Todos os dias são horários perdidos
Nas montanhas assassinas,
Todos os dias, jardins proibidos,
Em tardes meninas.



Francisco Luís Fontinha
Alijó, 7 de Dezembro de 2017

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Viagem




Bebo o veneno da insónia.
Desamarro as cordas da solidão, logo pela manhã,
Tenho na mão a magia do sono, desprovido de sonhos,
Na lentidão, o adeus, como as flores em despedida.
Desenho nuvens no teu triste olhar, uma desgraça…
Pois eu nunca soube desenhar,
Escrevo palavras, bebo livros de poesia, e assim passo o dia,
Cansado das árvores, cansado das casas envelhecidas,
Cansado da vida.
Bebo o veneno da insónia.
É madrugada, acendo o interruptor da desgraça, sou livre,
Aprendi a voar no teu cabelo,
Sou astronauta reformado,
Carpinteiro no activo,
Sou jardineiro sem-abrigo…
Nos teus lábios de trigo.
Bebo a poesia dos mortos, e percebo a tua dor, quando acorda a noite,
Puxo de um cobertor,
Fico à lareira,
Até que as estrelas me levem para longe.



Francisco Luís Fontinha
Alijó, 5 de Dezembro de 2017