quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

As tuas mãos gélidas

Foto de: A&M ART and Photos

(aos meus pais que fazem hoje 49 anos de casados)


As tuas mãos gélidas nas minhas pálpebras de insónia,
oiço-te sorrir junto ao tanque da agonia,
ao longe os gemidos trémulos do sino da Igreja...
percebo que nos teus olhos habitam lágrimas de papel colorido,
e sobre os teus ombros,
o peso,
o peso imensurável das sombras do abismo,
o peso... o peso da saudade saboreando as nuvens de algodão da madrugada,

As tuas mãos são como pedaços de barro esquecido na parede da solidão,
há em ti cabelos perdidos e alguns silêncios intransponíveis, ocultos... mórbidos,
há dentro de ti o cansaço,
o triste cansaço da vida,
e das tuas mãos as doces carícias do amanhecer,
há uma janela com palavras de acordar...
e palavras de acordar nos cortinados que cobrem as tuas mãos gélidas,
as tuas mãos de mim, as tuas mãos de uma sanzala enrolada em capim...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 27 de Fevereiro de 2014

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

(imagem tua estampada no rosto inverso do vidro...)

foto de: A&M ART and Photos

A imagem tua estampada no rosto inverso do vidro
vêem-se de ti os cabelos da madrugada trigonométrica procurando senos e cossenos
e dentro do círculo trigonométrico
os teus tristes lábios em três quartos de pi radianos
a imagem acorda em ti e cansa-se do silêncio transferidor
e as lágrimas envergonhadas como pedras fundeadas na ribeira do Adeus
desaparecem ao amanhecer
tenho medo confesso-lhe
e ela desesperadamente
desenha-me na ardósia manhã como beijos tangenciais ao quadrado do Amor
o rio flui até encostar-se à fórmula fundamental da trigonometria...
e percebo que o seno ao quadrado de alfa mais o cosseno ao quadrado de alfa é igual à unidade... a (imagem tua estampada no rosto inverso do vidro...)

Imagino-te nua sem saberes que no espelho encarnado vivem gaivotas veleiros
e pernaltas petroleiros

A imagem tua estampada no rosto inverso do vidro
a equação da Saudade desfaz-se em pedacinhos papeis...
que voam em direcção ao infinito onde se abraçam rectas paralelas e ventos circunflexos
corpos incandescentes ardem como ângulos adormecidos
há lareiras em desejo na janela da noite
quando os versos transformam-se em sanduíches de nada
e do nada
a tua imagem sem saber que as integrais triplas são amantes dos cossenos hiperbólicos...
a matriz transposta invade o púbis da matriz inversa
choras...
dormes... como uma criança deitada na equação diferencial da paixão
e a tua imagem... e a tua imagem esconde-se na lixeira do inferno.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 26 de Fevereiro de 2014

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Às flores vencidas

foto de: A&M ART and Photos

Às flores vencidas
aos pilares de areia das tardes perdidas
às árvores emagrecidas
e aos rios condenados
tristes
tristes e apaixonados
aos sorrisos de algodão
e às lágrimas de porcelana
às flores envelhecidas que ressuscitadas insistes
e ignoras
e choras...
a madrugada das persianas embaladas,

(às flores vencidas
e aos cansaços amores do invisível desejo)

Às flores vencidas
que se escondem em jardins com janelas encardidas
aos pássaros de marfim com ossos desventrados em marés esquecidas
e aos silêncios com palavras escritas em paredes de xisto
e tu não percebes os sonhos com coloridos quadrados e círculos nocturnos
e desisto
de procurar os lábios da Garça sem graça... nas ruas de Lisboa
descendo a calçada endiabrada comendo rebuçados de voláteis cigarros de chumbo...
às flores enroladas em trigonométricos fumos
que morrem na cidade das esplanadas de vento
com sofrimento
a vós, a todos vós que têm corações de pano e beijos de chita...

(às flores vencidas
e aos cansaços amores do invisível desejo)


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 25 de Fevereiro de 2014