sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Fingidos torrões de açúcar

Desejava morangos, ofereceste-me pêssegos com sabor a ácido acetilsalícilico, hesitei, depois deste-me um pau de carvão para escrever o meu nome na parede do sono, tentei, sabes que sim, mas foi tão difícil, e não consegui, desisti, e mergulhei
Na triste insónia da dor que as madrugadas deixam ficar sobre os corpos húmidos dos amantes antes de partirem, e trazem depois o dia, tristes às vezes, límpidos, suados, molhados como as folhas das árvores depois da miudinha chuva de fim de tarde, nas Primaveras cansadas, entre pedras de paixões proibidas e os vidros fumados dos pulmões doentes do velho de mãos encardidas pelo tempo dos sonhos, ouvia-te mergulhar nas lágrimas dos poemas de amor que a tua mãe tinha semeado, antes de partir para o eterno descanso, e assim nasceu o primeiro beijo, construído com hélices de tungsténio e as turbinas que os púbis desprotegidos das montanhas deixam ficar junto à ribeira das águas onde brincavam as palmeiras do largo com pavimento em paralelepípedo,
Ontem havia cenouras ao jantar, cansavam-me os pêssegos com sabor a ácido acetilsalícilico, e confesso, a ti, só a ti, o que eu desejava mesmo eram morangos com pétalas azuis e olhos esverdeados, como as nocturnas miúdas que esperam pelo amor junto aos candeeiros a petróleo, sílabas, palavras cada uma a cinco cêntimos
Vai uma voltinha, meu querido poeta?
Inseria a moeda na ranhura, fincava os dentes como se tivesse na minha boca um aloquete made in China, e eu sentia o perfume das flores mortas dentro dos lençóis de carqueja que até chegar ao cimo da montanha desgovernada, eu, o desgraçadinho homem das sete palavras e meia, ia deixando aqui e ali, e hoje, hoje a montanha parece um ninho de morcegos, quartos duplos com casa de banho privativa, pequeno-almoço incluído, por uma módica quantia de vinte e cinco euros, a pensão envelhecia, do proibido amor, que
Vai uma voltinha, meu querido poeta?
O poeta desgraçadinho, aquele que desejava morangos em vez de pêssegos com sabor a ácido acetilsalícilico
Desculpa, não percebi,
E as portadas da noite desciam até encobrirem todas as árvores da cidade que um coração de xisto alimentava, acariciava, que todos os homens fingiam não existir, que todas as mulheres diziam ser um embuste, falso, maligno, o coração de pedra, e no entanto, eu
Desculpa?
Eu prefiro os corações de pedra aos fingidos torrões de açúcar.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Vulcão de areia


Um vulcão de areia
entranha-se na minha pedra mão
como se os Sábados fossem silêncios de prata
cansados do orvalho que durante a noite
poisa levemente sobre as árvores nuas,

Acreditava eu
que os bichos tinham na algibeira beijos de silício
e ramos de alecrim
acreditava ela
que eu escrevia palavras nos lábios das estrelas,

E suspendiam-se em mim
as garras perfeitas das canetas de tinta permanente
que sobre a solidão de uma folha de papel
sozinha
desenhava sorrisos com dentes de poesia mórbida,

Ouviam-se os corredores da morte
procurando as suas almas
e mesmo assim
acreditava que me amavas
como os pássaros amam os pedacinhos de sol das searas abandonadas,

Tinha medo das cartas de amor
que nunca conseguiste escrever
porque dentro de ti
há uma janela com diamantes
que deixa fugir todas as palavras belas que a paixão amealhou.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha