sábado, 6 de outubro de 2012

Mar de Março


Me alimento da voz cansada
embrulhada nas palavras parvas
minhas às vezes enfeitadas
me alimento
em ti
minha noite abeliana
e às vezes
sinto o grito da revolta
a garganta funde-se como o gelo depois de caminhar sobre o mar de Março
a garganta morre nos barcos depois de morrerem
acorda o dia
minhas às vezes enfeitadas

as flores da tua mão
e os sinos circunflexos das árvores abandonadas
me alimento da voz cansada
embrulhada

há na madrugada
palavras sem dormir
rosas encalhadas nas metamorfoses do sonho

as coisas
belas
nelas às vezes
me alimento
dos teus lábios de papel
ou apenas no desejo de te olhar

mar de Março.

(poema não revisto)

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Areia de chocolate


A casa dorme
e eu procuro no compartimento dos sonhos
a saudade das flores e dos jardins e do mar de Inverno

oiço as eternas luzes da solidão
contra os vidros da janela do desejo

oiço a espuma dos oceanos
dentro da cabeça dos pássaros
e das gaivotas sem namorado

a casa dorme
e das escadas que dão acesso ao céu
as nuvens
as nuvens em pedaços de silêncio
suspensas no tecto da vida

o meu corpo estremece
cai na areia de chocolate onde brincava nas tardes de Janeiro

cai
a casa
e todo o sono desaparece entre as rochas do cansaço
a casa
cai
o meu corpo pergaminho sem as palavras do cacimbo
o cais
cai
e todos os barcos e todas árvores
felizes no orgasmo da terra depois da chuva miudinha
balançando no capim crucificado das paredes da noite
a casa voa e cai o cais nas entranhas do sono

(poema não revisto)

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Sessenta segundos de solidão


Desejo-te
silêncio suspenso nos teus lábios de amêndoa
desejo-te quando a Lua corre sobre o mar
e a noite
e a noite brinca nos teus olhos loiros

desejo-te nas tardes da cidade
o rio
enrola-se nas caravelas desdentadas
desejo-te quando poisa na minha janela
o papel colorido
em forma de papagaio
às voltas no céu de Luanda
e os barcos nervosos

a desejarem-te
como eu te desejo
dentro de um relógio de pulso

não adianta
não me parece correcto quando a manhã desaparece
e tu adormecida no leito dos sonhos
e esperas pelas madrugadas desassossegadas

e esperas
esperas
esperas pela chegada da minha sombra
que alguém te enviará numa caixa de sapatos

(parvalhão eu)

não sabendo que a neve
que a neve era neve
e que os dias de Inverno
se escreviam nas paredes da miséria

(parvalhão eu)

e esperas
esperas
que nos ponteiros do relógio de pulso
(que a neve era neve)
o teu rosto sobreviva a sessenta segundos de solidão.

(poema não revisto)