quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Os olhos do medo

Masturba-se a cidade
Dentro dos candeeiros de néon
As ruas incham nas sombras da noite
E nos orgasmos de fome
O desejo do homem vestido de mulher
Que vagueia sobre as migalhas de suor que se desprendem das árvores

(Tenho medo da noite
Medo das estrelas
Da lua
E dos rios que correm para o mar) – grita ele

O desejo do homem vestido de mulher
Que busca as minguas moedas de euro na algibeira amarrotada
E cinzenta
E deserta na confusão das luzes suspensas nos olhos do medo

A fome cresce e multiplica-se
Nas pétalas das flores escondidas dentro dos candeeiros de néon
E nos orgasmos de fome
Masturba-se a cidade

E o homem vestido de mulher sorri
Quando a garganta do medo come a noite
E os desejos das migalhas de suor
Correm nas veias travestidas de um cacilheiro
O homem sorri
E dorme nas asas cansadas do amanhecer

terça-feira, 3 de janeiro de 2012


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

O doutor dos parafusos

Hoje não Dói-me a cabeça,
- Hoje não Ontem não E na semana passada estavas com cãibras, Não é verdade só que hoje foi um dia cansativo muito cansativo e estou com uma tremenda dor de cabeça, e ontem,
Ontem o doutor dos parafusos de chave de fendas na mão a alinhar-me a direção e um aperto aqui outro ali e não me queixo que me dói a cabeça, mas sinto que lá dentro alguma peça desprendeu-se porque quando me viro repentinamente oiço o batimento metálico contra a fechadura dos sonhos, e o doutor dos parafusos,
- Mostra-me os pulsos francisco,
E eu mostro-lhe os pulsos e eu mostro-lhe os olhinhos Não é verdade doutor?, desde a segunda consulta que me quer ver os pulsos e desde a segunda consulta que me quer ver os olhinhos, e
- Porque na primeira consulta enclausurei-te dentro do jardim imaginário com árvores imaginárias e pássaros invisíveis,
E vamos lá ver esses pulsos e esses olhinhos o doutor dos parafusos para nós pássaros em voos curvilíneos no corredor da enfermaria onde o jardim imaginário e as árvores imaginárias e os pássaros invisíveis,
- Que têm os pássaros invisíveis francisco?,
Os olhinhos verdes castanhos vermelhos e
- E o raio que o parta que há mais de vinte e quatro horas que durmo como uma pedra ou pior Durmo com uma pedrada como nunca tinha experimentado, É dos pássaros invisíveis respondia-me o doutor dos parafusos,
E o Alex furibundo no corredor Foda-se ir a Fátima a pé…,
- E hoje juro que ia,
E as árvores imaginárias desciam pelo silêncio da noite quando o doutor dos parafusos munido de uma porção mágica
- Três gotinhas no leite e vais ver francisco,
E eu via as árvores imaginárias com os braços apoiados no parapeito da janela com grades de ferro para nós pássaros invisíveis não fugirmos para o jardim imaginário onde só o filho da puta do Alex podia passear porque sabia o segredo de coma atravessar a parede, e durante a noite pegava-me não mão e,
- Três gotinhas no leite e vais ver francisco,
E levava-me com ele e só regressávamos quando começava a clarear o dia, e hoje juro que ia, mas hoje não Dói-me a cabeça Hoje não Ontem não E na semana passada estava com cãibras, e hoje os pássaros invisíveis à nossa espera e impacientes no corredor e desde esse dia nunca mais regressamos, e só às vezes,
- Truz-truz truz, O doutor dos parafusos Sim faça favor E respondo-lhe que é para apertar os parafusos E claro a conversa de sempre O jardim imaginário Os pássaros invisíveis e outra coisa qualquer imaginária que me esqueci
Talvez o Alex a atravessar a parede da enfermaria, não me queixo que me dói a cabeça, mas sinto que lá dentro alguma peça desprendeu-se porque quando me viro repentinamente oiço o batimento metálico contra a fechadura dos sonhos, e o doutor dos parafusos,
E claro a conversa de sempre Mostra-me os pulsos e os olhinhos, e o Alex a atravessar a parede da enfermaria…
Mas sinto que lá dentro alguma peça desprendeu-se porque quando me viro repentinamente oiço o batimento metálico contra a fechadura dos sonhos, e o doutor dos parafusos,
Entre mim e o jardim imaginário e os pássaros invisíveis e uma outra coisa qualquer coisa imaginária…

(texto de ficção)

Palavras parvas nos meus olhos parvos

Dentro da garganta dos sonhos
Uma língua de fogo incendeia o meu corpo
E das minhas mãos desprendem-se malmequeres
E botões de rosa
E palavras desconexas que se perdem no vento
E palavras parvas nos meus olhos parvos dão vida aos poemas

Que semeio nas paredes escuras do corredor da morte
Sento-me sobre uma pilha de livros
E rezo
E esqueço-me que a fogueira consome os meus braços
E esqueço-me que na garganta dos sonhos
Um fio de luz prende-me à vida e não me deixa partir

Dentro da garganta dos sonhos
Pinto o mar na digestão da solidão
E os sonhos engolem as minhas cinzas
Engolem as minhas palavras
Engolem o mar que pintei na digestão da solidão
E rezo

Rezo que das minhas cinzas cresçam poemas
E das minhas mãos os malmequeres e os botões de rosa
Subam ao céu
E repousem junto a um buraco negro
Longe muito longe infinitamente longe
Onde as minhas palavras parvas e os meus olhos parvos

Brincam de mão dada a duas parvas retas paralelas