terça-feira, 28 de novembro de 2023
Pedacinho de ti
Naquele dia, eu tinha
descoberto o beijo. Naquele dia eu tinha descoberto que o meu corpo podia ser amado,
podia ser desejado, podia ser um dia
Poema
Ao outro dia
Poesia
Em melodia,
Podia ser a manhã.
Naquele dia, eu tinha
descoberto os teus lábios. Naquele dia, eu podia ter sido pai, sem raiva, de o
não ser
Naquele dia.
Naquele dia, eu podia ter
olhado as tuas mãos de frágil mãe, mas não sei como são as tuas mãos, eu nunca
vi as tuas mãos, meu amor
Daquele dia.
Naquele dia, eu tinha
descoberto que o meu corpo é um poema, que se escreve, sem que eu queira que ele
se escrevesse,
Preferia ser eu a
escrevê-lo
Mas ele é que manda.
Naquele dia, eu percebi
que o dia, é uma canção de amor
Que o dia é um pedacinho
de ti.
28/11/2023
Perdão
Não posso pedir à manhã,
perdão. Que perdoe todos os meus pecados, mas que pecados, quando o meu único
pecado é escrever poesia,
É morrer esperando que
regresse o mar,
Que nasça o dia,
Não posso pedir perdão à
manhã, e se pudesse, nunca o faria.
Não posso pedir à manhã,
perdão, clemência, que me seja reduzida a pena a que fui condenado (escrever
poesia)
Que me façam uma estátua…
E um parvalhão de um
pássaro me cague em cima.
Que diria eu, à manhã!
Olá, bom dia, estás bem,
pareces triste, hoje
Sabendo eu que a tristeza
é apenas um pedacinho de insónia nos lábios do luar, e graças a Deus, amar-te
parece a coisa mais estranha de todas as coisas estranhas,
Nasce o dia,
Morre a noite,
E tu, manhã que implora
por perdão, foges de mim
Escondes-te de mim.
Não posso pedir à manhã,
perdão.
Não posso pedir à manhã
perdão, mas posso pedir-lhe um livro de poesia, torradas e um pouco de café
Daqui a pouco, acordas
E eu, por aqui…
À procura de um cigarro.
Na algibeira.
28/11/2023
segunda-feira, 27 de novembro de 2023
Fragrância
Serei pó, serei lápide,
tanta coisa, que eu posso ser.
Serei pão, porque não,
Serei bebida alcoólica, e
poema ao mesmo tempo, serei moca,
Pedra
E cólica
Sem sentimento.
Serei pó, serei a palavra,
a minha e a de Deus,
Serei janela, serei o mar
vestido de janela, quando olha a lua travestida de névoa-azul.
Serei gaja, gajo vestido
de gaja, serei pássaro, poeta e afins, serei o pedreiro trabalhando o granito,
escrevendo no granito as lágrimas de sua amada,
Sonâmbula,
Exige-se respeito, na
solidão do dia
As cabras, perderam-se no
monte, as pedras fitam as cabras depois dos filhos das pedras, morrerem de
tédio a coçar os tomates, olhando as cabras.
Serei angustia no teu
peito, fragância na tua mão, serei poema disfarçado de aldabrão, e de tudo ou
nada, a sinfonia entra na sala, os músicos sentam-se junto à lareira, e um muro
de pedra desata em lágrimas,
Aldrabão…!
Serei piolho, porque não,
tão espertinho, e tão aldrabão, a cidade em chamas, as mulheres desta cidade,
em lágrimas, que não chegam para apagar as chamas desta cidade.
Serei um livro. Um livro
de poesia.
Serei casa, com muitas
janelas, com muitas crianças, com muitos… barcos
De brincar
E alegria
Serei pó, serei
sem-abrigo, serei canção,
Melodia
Sem amigo.
Serei uma pedra, uma
laje, serei um telhado preparado para o vento,
Serei
Equação,
Número primo,
Serei pedra,
Serei menino…
Serei alimento.
Serei tudo o que tu
quiseres, meu amor, fascista é que não.
27/11/2023
Pétalas em sorriso
A tua pele é feita de
lâminas de luz,
A tua pele é poesia, é
canção-melodia, a tua pele é a sílaba perdida da canção-melodia.
A tua pele é a paisagem longínqua
das noites de Luanda, é o cheiro a terra queimada e
Não reclamada,
A tua pele é o caderno
secreto do poeta,
Do poeta que escreve na
tua pele,
Que é feita de lâminas de
luz.
A tua pele aquece-me como
me aquece esta lareira, que nunca tem sono, que não tem sonhos, e que come os sonhos,
De escrever na tua pele.
A tua pele é pauta
musical, é tela suspensa numa parede invisível, numa parede sofrida, sem janela
para o mar.
A tua pele é o luar,
A tua pele são as
estrelas da noite
E que nunca dormem,
E que até parecem imortais.
A tua pele é perfumada,
veste-se a rigor, sai à rua e vai às compras, a tua pele finge, finge que não me
vê, finge que não sabe ler, de ler as palavras que escrevo nela.
A tua pele é silêncio, é
equação sem solução, a tua pele
(sei lá eu, sei lá eu)
De que é feita a tua pele
além de lâminas de luz,
E de pétalas em sorriso.
27/11/2023
Sonhos dos sonhos em lareira
O que interessam os
sonhos, quando não passam de pedacinhos de papel e ardem na lareira,
O que são os sonhos?
Tive-os, e não realizei
nenhum; se eu quiser ser imortal basta-me sonhar que sou mortal, e serei imortal.
Sonhos!
Desvairos e manias,
projectos e mais projectos, que nunca saem do papel.
Sonhos, pedaços de papel
que ardem nesta lareira, pedaços de papel que fui coleccionando ao longo dos
anos, e tal como o manuscrito de Gogol, “Almas mortas”, também os
Meus sonhos ardem na
lareira.
Sonhos!
Pigmentos de luz no meu
olhar, o cansaço de estar vivo não querendo morrer, escrever parvoíces numa
folha em papel, depois,
A lareira dos sonhos tudo
consome,
Parece um drogado a comer
heroína,
E a vomitar
Os sonhos.
Sonhos!
Quando caminho junto à
ladeira, quando puxo de um cigarro, quando acendo o cigarro, quando a lareira
Come-te todos os sonhos,
Come-te a carne, come-te
os ossos,
E ficas pobre
Ficas prisioneiro de uma
nuvem,
E ficas suspenso em ti,
E ficas perdido em mim,
A noite, quando me traz
os teus olhos…
E a vomitar
Sonhos.
27/11/2023