terça-feira, 5 de março de 2013

À procura do mar

Carlota Maria acordara com o barulho ensurdecedor que o vento provocava nos braços de Alberto, dentro dela, Humberto, cavaleiro, passeava-se de armadura de papel e montado no seu cavalo de oiro com finos olhos de porcelana, recordava os tempos infinitos vividos numa guerra inventada, num País inventado, onde todos os dias era Inverno, uma criança brincava junto aos pés de Alberto, empoleirava-se num triciclo com assento em madeira e velhos ferros das intempéries chuvosas alicerçadas às raízes que faziam estremecer o coitado do Alberto,
De vez em quando, Alberto balançava as grandessíssimas mãos de ébano sobre os cabelos movediços de Carlota Maria, ela
Vestia-se simplesmente, tinha olhos que pareceriam diamantes e da boca ouviam-se-lhe os gemidos dos gonzos que suspendiam os dentes em marfim, nas traseiras, a criança com uma vara metálica procurava o mar, Alberto fingia que dormia, enquanto dentro da Carlota Maria um silêncio de prata começava a clarear, percorrendo cada milímetro dela, o menino gritava por ela
Ela, docemente nos abraços do cavaleiro, não a ouvia, e se a ouvia, fazia ouvidos de marcador, e eu, eu permanecia sentado, alguns metros de distância de Carlota Maria, percebi que havia um menino em cima de um triciclo e que procurava o mar, como um outro menino, num outro continente, que tanto procurou o mar que se cansou, e hoje
Não consigo ouvir, ler, nada, a palavra mar,
Ela dançava com as mãos poisadas na cintura de sílabas mortas, e quando o cavaleiro Humberto entrava dentro dela com toda a sua fúria, ela
Chorava,
Ela chamava pelo Alberto, mas este, entretido com o menino do triciclo pensava;
E quando eu morrer?
O que será do menino? O que vai acontecer à Carlota Maria?
Ela gemidamente estremecia com os soluços do cavalo, e o mar nunca apareceu,
E quando eu e a Carlota Maria e o Humberto e o menino, todos, morrermos? O que será do narrador sentado no muro de xisto a cerca de cem metros de nós...
Ela, docemente nos abraços do cavaleiro, não a ouvia, e se a ouvia, fazia ouvidos de marcador, e eu, eu permanecia sentado, alguns metros de distância de Carlota Maria, percebi que havia um menino em cima de um triciclo e que procurava o mar, como um outro menino, num outro continente, que tanto procurou o mar que se cansou, e hoje sons estranhos dentro de mim, o medo,
O Alberto tem medo de voar, Carlota Maria adora voar mas apenas se com ela for o cavaleiro Humberto e o seu cavalo de palha, e o menino
Não sei, prefiro o mar e todos os barcos que brincam no seu ventre, como os bebés, antes de nascerem, comunicam através de sons, ténues limas de luz, poucos os percebem, mas sei que um dia alguém vai pegar no menino e partir, e apenas ficará um velho triciclo com um apodrecido assento em madeira,
E sinto-o, o medo
O Alberto pálido agacha-se e embrulha o menino nos braços, Carlota Maria sorri aos encantos do cavaleiro Humberto, e eu, eu sentado no muro de xisto a contemplar a feliz Driamara, leve como as penas das gaivotas que andam à boleia nos mastros dos barcos com bandeiras capazes de comerem as palavras do querido Alberto que de um feixe de iões se materializam contra uma parede de vidro,
O medo de voar e perdermos tudo o que temos, e amemos, e perdermos o silêncio húmido das tardes de Primavera, vestia-se simplesmente, tinha olhos que pareceriam diamantes e da boca ouviam-se-lhe os gemidos dos gonzos que suspendiam os dentes em marfim, nas traseiras, a criança com uma vara metálica procurava o mar, e o menino pela madrugada em gritos sussurrantes
Pai, Pai Pai,
Sim filho,
Tenho medo,
Medo? De que tens medo meu querido filho!
Sonhei com uma casa que se chamava Carlota Maria, dentro dela andava um cavaleiro com uma armadura de papel, o cavalo era lindo
Mas tive medo,
E nas traseiras da casa havia um sobreiro que se chamava Alberto, e em frente a eles um homem com um chapéu estranho, fumava cigarros e sentava-se no muro de xisto, havia ervas, pássaros, e só me lembro que eu brincava com um triciclo à procura do mar como uma vara metálica,
Não achas este sonho estranho, Mãe?
Driamara responde-lhe que os sonhos era assim, às vezes estranhos, longe, muito longe, como os dias debaixo das nuvens felizes e infelizes, apaixonadas e não apaixonadas, todas, e sinto-o, o medo
O Alberto pálido agacha-se e embrulha o menino nos braços...
E as marés em sofrimento dos longínquos corredores das planícies inventadas, tal como as guerras, numa tela de gesso com acrílicos mergulhados em quatro simples paredes de amêndoa. E de todos, apenas senti pelo pelo Humberto.

(ficção não revisto)
Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 4 de março de 2013

A rosa em segredo

Um dia hoje indesejado, indigesto, com algum sabor a queimado, um dia de chuva mergulhado em línguas de seda e plumas, ouvi pela primeira vez os sons coloridos das amendoeiras, senti, sem ti, sentindo no final da tarde a ruína dos alicerces de espuma da sustentação dos barcos em recreio, no átrio da escola, à janela
Parecia-me que os telhados da aldeia ardiam na febre dos relógios quando provocam nas pedras a lenta morte como sentia, e deixamos de sentir, as algibeiras recheadas de moedas com um furo no centro geométrico, que neste caso, coincide com o centro de massa, e dizias-me que das flores belas e menos belas, cresciam as bailarinas, ouvíamos o movimento circular uniformemente acelerado, subindo, e descendo, as escadas para a Primavera, e, eu
Não queria ir à janela, e à janela vimos as migalhas de pão que sobejaram do lanche, e um mês depois estavas grávida, e eu, sentia, sem ti, senti, e eu sentia os enjoos matinais, como as gaivotas quando poisavam em cima da mesa da sala, líamos no sofá meio cambaleado, trôpego, meio embriagado pelo silêncio da velha casa, recheada de fendas nas paredes de gesso, e ambos
Vómitos matinais,
Eu deixava de voar entre os ferrosos poste de iluminação, uma balança pesava-nos e a árvore que tínhamos no centro da cozinha começava a dar sinal de fadiga, a loucura aos poucos entrava na casa que diziam ser nossa, que eu afirmava não conhecer, e tu
Vómitos
E ambos tínhamos formas geométricas nas mãos gretadas devido ao frio invernal, descíamos ao inferno depois da meia-noite, e tu embrulhada nos vómitos matinais, e curiosamente, eu, tu, nuca vimos o rebento florido da rosa em segredo, uma noite extingui-se e afundou-se nos rochedos nas traseiras da nossa velha e encantada casa dos libertinos sonos de aranha, um corda, um sindicato e cartazes suspensos no corredor, um revoltado encornado com sabor a chocolate quente, e víamos, e sentíamos, e tínhamos
NADA,
ABSOLUTAMENTE NADA, NUNCA O TIVEMOS, NUNCA O DESEJAMOS,
E tínhamos vómitos matinais com sorrisos de areia,
Ou
E
Talvez percebas a maldade de uma janela com fotografia a preto e branco para o mar, quereres ver as árvores nascidas durante a noite, e o que vês?
Espuma e sons circunflexos, apaixonados, perdidamente em círculos como o pôr-do-sol mesmo sabendo que ele hoje não acordou, e provavelmente, talvez um dia percebas, percebas-me, como é difícil caminhar sobre os carris e olhar, lá longe, quase no infinito, o silêncio da luz,
Desistes então?
Não sei, não sei...
- Um dia hoje indesejado, indigesto, com algum sabor a queimado, um dia de chuva mergulhado em línguas de seda e plumas, ouvi pela primeira vez os sons coloridos das amendoeiras, senti, sem ti, sentindo no final da tarde a ruína dos alicerces de espuma da sustentação dos barcos em recreio, no átrio da escola, à janela, as canções melódicas do desejo hoje não apareceram, e as poucas palavras que encontrei em voos na casa de banho, também elas tristes, também elas distantes de mim, de ti, ou de si, conforme o tratamento, conforme a idade, ou o sentimento, e se eu amar loucamente um pedaço de cartão com uma simples palavras, uma palavra sem significado, suponhamos
Eu amo loucamente um pedaço de cartão onde alguém escreveu “hoje sou feliz”, e se eu trocar a janela por uma folha de papel em branco, e simplesmente olhá-la até me fartar,
Será isso um crime que me levará à pena capital?
E enquanto a paisagem da janela é sempre a mesma, na folha de papel em branco poderei escrever histórias, desenhar objectos, resolver complexas equações matemáticas, posso e devo
Desenhar um coração com pontas de aço,
Porque não?
Pego no copo, pego na escova de dentes e no dentífrico e, vou-me embora, vou, e sinto, sem ti, senti as clarabóias do destino estilhaçarem-se com o peso das pombas de papel, e um perfume de solidão desce em pedacinhos de milímetro até embater nos vidros opacos da vida clandestina, fingida, e aí sim
Porque não?
Sim, talvez percebas a maldade de uma janela com fotografia a preto e branco para o mar, quereres ver as árvores nascidas durante a noite, e o que vês?
(E um mês depois dizias-me que estavas grávida, e, eu, e eu, sem ti, senti, e eu sentia os enjoos matinais das árvores pintadas de encarnado e de olhos verdejantes, e um mês depois dizias-me que as gaivotas estavam loucas, porque uns dias sorriam, e outros, outros suicidavam-se de encontro aos mastros de aço dos barcos moribundos).

(ficção, não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

A inquietação de ser


Como são os livros com cabeça de saudade
como são as palavras assassinadas pelas mãos do amor
como são as ruas da tua cidade
sem jardim sem flor,

Como são os barcos de sonhar
quando da noite descem as estrelas sem nome sem paixão
como são
meu amor as tarde de verão
quando dormes sobre um braço lacrimejado pelo mar,

Como são os versos de escrever
nas lisas tempestades dos muros sem cor
como são as sílabas de prazer
quando o teu corpo se transforma em dor...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

domingo, 3 de março de 2013

As fotografias em flor


Tínhamos o mar
e a bancarrota de uma existência fictícia
tínhamos um barco de prata
com sais de frutos para a ressaca
tínhamos uma barraca em lata
e solstícios com malícia
depois do deitar
e nunca sentíamos a falta do azar,

Das ruas cintilações dos xistos com rugas ao amanhecer
tínhamos cama roupa lavada e sexo na varanda
tínhamos o mar
e as janelas de esquecer
como todas as palavras em voos de falar
pequeníssimas entre as vozes de quem manda
e ninguém para nos separar
como os pássaros no Inverno à procura do calor e da solidão de viver,

Tínhamos na garganta
uma réstia de esperança
e amor
tínhamos no sótão da madrugada a pimenta
e os cigarros da lembrança
em flor
o fumo que alimenta
a insónia tua nossa janela entre as fotografias que a noite atormenta.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

As paixões de areia

E sonhas com quê, tu?
Visivelmente cansada, sentia dentro de mim, as pedras e os riachos, e ouvia canções poéticas dos lábios sonolentos dos pássaros amaldiçoados, tristes às vezes, alegres poucas, doía-me o peito e trazia qualquer coisa estranha na respiração ofegante dos meus silêncios, acordava as rosas e os pontos cardeais, pegava no Norte e caminhava até que o tempo se perdia em mim, entranhava-se-me como se entranhou a tua boca
(E não sonhava, mas via uma menina vestida de mar com cabelos de vento, mas via um jardim com um banco de madeira, e imaginava, olhava-te dentro de mim e sabia que te sentavas lá, em todas as minhas ausências, loucuras, birras de criança, de menina mimada, sabia-o, sentia-o, ouviam-se-lhes as masmorras apaixonadas e que o tempo come como se de uma simples sandes de presunto se tratasse, ouvia o chamamento do sol e das nuvens embebidas na vodka made em Sacavém, e comias-me como comias os cigarros e os versos desgovernados das mãos do velho com braços de maré, e depois, uma chuva finíssima de vodka sobre os telhados cinzentos da cidade de marfim),
No meu púbis,
E sonhava com círios de desejo quando se disfarçavam de Primavera, e sonhava com gaivotas enroladas nas velas entre mastros de veleiros e o fim de tarde, despedíamos-nos das descalças horas insignificantes, oferecias-me um beijo na face obscura da minha pele, e
E eu desaparecia entre a neblina de espuma que as aranhas deixavam ficar junto ao rodapé, o pavimento pintava-mo-lo de encarnado, como os vestidos da tia Margarida sobre o palco da danceteria libertina, anárquica, como todas as flores que conhecemos, havia sempre um perfume de solidão nas tuas mãos, havia qualquer coisa de estranha nas tuas mãos, meu querido
No teu púbis mergulhavam os poemas das madrugadas convulsas e engasgadas nas lâmpadas da danceteria e ouviam-se-lhes, às mesas de cartão, os suspiros embriagados das meninas em flor, descia o rio, e mergulhávamos na lareira dos pedacinhos de sílabas com pequenas asas de açúcar, e meu querido, meu querido poeta vadio, um dia transformado de noite
Desapareceste como desaparecem todas as paixões,
(pelo buraco da fechadura)
E ninguém percebeu que eu, vestida de doce Catarina, docemente iluminada pela claridade das palavras revoltosas, contra ele, no caderno dele, da sebenta dele, eu construí a cidade dos sonhos com todos os pedacinhos de desejo que adormeceram em todos os bancos de jardim, com ripas alguns, de cimento outros, e assim nasceram os peixes e as algas e a trovoada, e a chuva, e a madrugada, e também, eu
Criei a saudade,
E a dor,
E sonhas com quê, tu? Não sonho, diz-me tu, também não sonho, também deixei de sonhar, também eu tal como tu, desistir de rir, da saudade, e do prazer de escrever, e principalmente
Deixei de me sentar no banco de jardim com ripas de madeira, puxar de um cigarro e imaginar-te deitada sobre os lençóis da minha pele esbranquiçada, polida, magra, emagrecida pela dor e pela doçura das noites envenenadas com cianeto e sonhos de anda,
E a dor, e criei a saudade
(pelo buraco da fechadura)
E agora desculpa-me, mas vou vestir as asas e voar, se voltarei? Não sei, não... sei, E sonhas com quê, tu?

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sábado, 2 de março de 2013

Palavras de sofrer


Poucas palavras despedaçadas que o vento alimentava
tantas linhas transversais encalhadas entre pontes
em ti mergulhadas
tantos barcos afundados
nos mares sofrendo as grandezas do Oceano
tantos e tantos corações aflitos e amargurados
e tantas e tantas mãos amarradas
e sem palavras

Tantos portos de embarque cobertos por um pano
e tantos e tantas pedras perdias nos montes
como os versos sem nome
com fome
uma pobre criança que chorava
corria entre veredas e janelas
como as tuas lágrimas de giz
voando e voando sobre as flores belas

Tantos e tantos voos de perdiz
saltitando dos alicerces nas montanhas ribeira
tantos meus Deus tantos orgasmos de uma só videira
derramando o líquido pelos socalcos do prazer
tantos e tantos versos com amor
e de tantas coisas para dizer
nem dinheiro tenho para uma flor
e escrever

(Deixei de o fazer
deixei de o amar como deixei de dormir e como deixarei de sonhar
tantas tantos e tantas pedras para atirar
contra o poder)

Tantos versos para escrever e chorar
porque tenho noites de sofrer
e dias e dias e dias... sem o saber
que as pontes mergulham nos rios apaixonados
e os mares morrem como os cães acorrentados
às palavras que a tua boca dissimilam e desistem de brincar
na corda bamba ou sobre o tédio de amar
ou debaixo de um barco a apitar.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Sábado de Março

Enquanto ouvir os pássaros, percebo que estou vivo, sentindo os barcos em círculos no rio dos sonhos, sim, percebo que estou a sonhar, e enquanto olho, uma cidade em voos silenciosos debaixo das pontes que ligam o amor e a paixão, sim, percebo que estou “fodido”, porque a paixão mata, mói, corrompe as mandíbulas das asas de papel, e oiço-as, a elas, e percebo, porque oiço os malditos pássaros, que estou vivo, sou um espelho insignificante, com luzes e brilhantina na cabeça, um palhaço de circo ambulante, um zumbi com cabelos soltos e mergulhados nas espinhas do amanhecer, e sim, que percebo, a paixão emagrece o céu, alimenta-se dos corpos em desejo, e depois, depois de mastigar os ossos e a carne, foge, e esconde-se no monte mais secreto do abismo; e começo a não ouvir os pássaros, e percebo que os barcos em círculos no rio dos sonhos, sim, percebo que a paixão mata, como matam as balas da solidão, quando embatem contra o peito da paixão...
Para que servem os meus poemas se as tua mãos de papiro ardem no silêncio da noite recheada por uma longínqua, fria, inteligente, capaz de absorver-te como as tuas algas que utilizavas nas tuas débeis pesquisas, acabavas de te apaixonar pelo mar, e já trazias os rios num dos bolsos do teu bibe, e dançavas, quando o vento soprava do Sul, uma bandeira flutuava, dizia-se livre, liberta-me
E tu
Que fizeste concretamente?
Deixaste-me acorrentado a um cais mórbido, ensanguentado por palavras que ninguém percebia, porque era a nossa linguagem, eram as nossas palavras, como o fumo
E
E tu
Lembravas-me o vento quando eu sobrevoava as tendas de lona das casas sem literatura, e que fizeste concretamente? Nada,
Nada,
Como sempre, eu, tu, dois veleiros num cais de cimento com luzinhas que ao longe se transformavam em pontinhos, em círculos, em
Em
E tu
Que fizeste concretamente?
Enquanto ouvir os pássaros, percebo que estou vivo, sentindo os barcos em círculos no rio dos sonhos, sim, percebo que estou a sonhar, e enquanto olho, uma cidade em voos silenciosos debaixo das pontes que ligam o amor e a paixão, sim, percebo que estou “fodido”, porque a paixão mata, mói, corrompe as mandíbulas das asas de papel, e oiço-as, a elas, e percebo, porque oiço os malditos pássaros, que estou vivo, que precisamos de gritar, amar, morrer, que enquanto ouvirmos os pássaros, percebemos que estamos vivos, sentindo os barcos em círculos no rio dos sonhos, sim, percebemos que estamos a sonhar, e enquanto olhemos, uma cidade em voos silenciosos debaixo das pontes que ligam o amor e a paixão, sim, percebemos que estamos “fodidos”, porque
A paixão matou-nos, porque o amor, também ele, numa noite de inverno, assassinou-nos, e ficamos sós, abraçados, como duas gotas de água suspensas num arame de vidro..., e no entanto
Em
E tu
Que fizeste concretamente?
As tuas tristes algas sobreviveram à tempestade de areia, talvez, hoje, Sábado de Março, vivam dentro de uma parede de xisto, com janelas para o rio Douro, talvez, hoje, Sábado de Março, as tuas tristes algas, algumas, não todas, mortas, como nós, como eles, e todas as palavras que escrevemos sentados num triste banco de jardim com ripas de madeira e mãos de alecrim, o cheiro, sentíamos o cheiro das palavras que deixamos morrer, e matamos
As palavras;
(amor, amo-te, paixão, desejo, beijos, carícia, abraço)
E tantas outras que matamos, como matamos os pássaros,
Enquanto ouvir os pássaros, percebo que estou vivo, e como não os oiço, percebo, entendo, pressinto
Que morri,
Ou
Que as tuas tristes algas... mentiam-nos, quando acordávamos pela manhã e depois de abrirmos a janela, ao longe, ao longe uma ponte de aço acenava-nos, ao longe, uma ponte de aço gritava-nos
Amava-vos, mas deixei de olhar o sol e o mar transformou-se na face de um cubo pintada de azul, e quase sempre estávamos de olhos vendados, como todas as rochas dos rios com algas mentirosas...
(Lembravas-me o vento quando eu sobrevoava as tendas de lona das casas sem literatura, e que fizeste concretamente? Nada,
Nada,
Como sempre, eu, tu, dois veleiros num cais de cimento com luzinhas que ao longe se transformavam em pontinhos, em círculos, em
Em
E tu
Que fizeste concretamente?)
E nunca mais tivemos sossego como o homem com cabeça de palha.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

P.S.
Tinhas nos seios as sílabas que construíam as palavras mais belas do planalto onde habitávamos e nos escondíamos, tinhas no peito uma janela onde vivia um coração, e dessa janela, víamos os triângulos de areia que Deus deixava sobre as plantas carnívoras que brincavam no nosso quintal de cartolina e lápis de cor, e mesmo assim, que tudo tínhamos, deixamos morrer as palavras mais importantes de nós; E hoje, Sábado de Março, apenas comunicamos através de números e equações matemáticas complexas, feias e distantes...