Um dia hoje indesejado, indigesto, com algum sabor a
queimado, um dia de chuva mergulhado em línguas de seda e plumas,
ouvi pela primeira vez os sons coloridos das amendoeiras, senti, sem
ti, sentindo no final da tarde a ruína dos alicerces de espuma da
sustentação dos barcos em recreio, no átrio da escola, à janela
Parecia-me que os telhados da aldeia ardiam na febre
dos relógios quando provocam nas pedras a lenta morte como sentia,
e deixamos de sentir, as algibeiras recheadas de moedas com um furo
no centro geométrico, que neste caso, coincide com o centro de
massa, e dizias-me que das flores belas e menos belas, cresciam as
bailarinas, ouvíamos o movimento circular uniformemente acelerado,
subindo, e descendo, as escadas para a Primavera, e, eu
Não queria ir à janela, e à janela vimos as
migalhas de pão que sobejaram do lanche, e um mês depois estavas
grávida, e eu, sentia, sem ti, senti, e eu sentia os enjoos
matinais, como as gaivotas quando poisavam em cima da mesa da sala,
líamos no sofá meio cambaleado, trôpego, meio embriagado pelo
silêncio da velha casa, recheada de fendas nas paredes de gesso, e
ambos
Vómitos matinais,
Eu deixava de voar entre os ferrosos poste de
iluminação, uma balança pesava-nos e a árvore que tínhamos no
centro da cozinha começava a dar sinal de fadiga, a loucura aos
poucos entrava na casa que diziam ser nossa, que eu afirmava não
conhecer, e tu
Vómitos
E ambos tínhamos formas geométricas nas mãos
gretadas devido ao frio invernal, descíamos ao inferno depois da
meia-noite, e tu embrulhada nos vómitos matinais, e curiosamente,
eu, tu, nuca vimos o rebento florido da rosa em segredo, uma noite
extingui-se e afundou-se nos rochedos nas traseiras da nossa velha e
encantada casa dos libertinos sonos de aranha, um corda, um sindicato
e cartazes suspensos no corredor, um revoltado encornado com sabor a
chocolate quente, e víamos, e sentíamos, e tínhamos
NADA,
ABSOLUTAMENTE NADA, NUNCA O TIVEMOS, NUNCA O
DESEJAMOS,
E tínhamos vómitos matinais com sorrisos de areia,
Ou
E
Talvez percebas a maldade de uma janela com
fotografia a preto e branco para o mar, quereres ver as árvores
nascidas durante a noite, e o que vês?
Espuma e sons circunflexos, apaixonados,
perdidamente em círculos como o pôr-do-sol mesmo sabendo que ele
hoje não acordou, e provavelmente, talvez um dia percebas,
percebas-me, como é difícil caminhar sobre os carris e olhar, lá
longe, quase no infinito, o silêncio da luz,
Desistes então?
Não sei, não sei...
- Um dia hoje indesejado, indigesto, com algum sabor
a queimado, um dia de chuva mergulhado em línguas de seda e plumas,
ouvi pela primeira vez os sons coloridos das amendoeiras, senti, sem
ti, sentindo no final da tarde a ruína dos alicerces de espuma da
sustentação dos barcos em recreio, no átrio da escola, à janela,
as canções melódicas do desejo hoje não apareceram, e as poucas
palavras que encontrei em voos na casa de banho, também elas
tristes, também elas distantes de mim, de ti, ou de si, conforme o
tratamento, conforme a idade, ou o sentimento, e se eu amar
loucamente um pedaço de cartão com uma simples palavras, uma
palavra sem significado, suponhamos
Eu amo loucamente um pedaço de cartão onde alguém
escreveu “hoje sou feliz”, e se eu trocar a janela por uma folha
de papel em branco, e simplesmente olhá-la até me fartar,
Será isso um crime que me levará à pena capital?
E enquanto a paisagem da janela é sempre a mesma,
na folha de papel em branco poderei escrever histórias, desenhar
objectos, resolver complexas equações matemáticas, posso e devo
Desenhar um coração com pontas de aço,
Porque não?
Pego no copo, pego na escova de dentes e no
dentífrico e, vou-me embora, vou, e sinto, sem ti, senti as
clarabóias do destino estilhaçarem-se com o peso das pombas de
papel, e um perfume de solidão desce em pedacinhos de milímetro até
embater nos vidros opacos da vida clandestina, fingida, e aí sim
Porque não?
Sim, talvez percebas a maldade de uma janela com
fotografia a preto e branco para o mar, quereres ver as árvores
nascidas durante a noite, e o que vês?
(E um mês depois dizias-me que estavas grávida, e,
eu, e eu, sem ti, senti, e eu sentia os enjoos matinais das árvores
pintadas de encarnado e de olhos verdejantes, e um mês depois
dizias-me que as gaivotas estavam loucas, porque uns dias sorriam, e
outros, outros suicidavam-se de encontro aos mastros de aço dos
barcos moribundos).
(ficção, não revisto)
@Francisco Luís Fontinha