segunda-feira, 2 de setembro de 2024

 

(dedicado à Cristina Gaspar)

 

Aqui, sou o copo de uísque dos teus lábios

Aqui, sou o teu escravo, meu querido poeta

Que te empresto este corpo

Para que possas deambular pelas eiras das aldeias, para que possas te alimentar,

Logo pela manhã.

Aqui te oiço, meu cabrão de um poeta, aqui

Nunca serás a minha força,

Para voar juntamente com os pássaros.

Hoje posso escrever, tudo, hoje posso escrever tudo aquilo que me apetecer,

E sabem porquê?

Porque tenho motivos que sobram,

Nos ramos de uma equação.

Serei o gelo que brinca neste copo de uísque, que brinca na tua barriga, sobe um pouco,

Desliza,

E morre na tua vagina.

Hoje posso tudo, porque tenho motivos…

Ouve lá poeta dum cabrão!

Se o gelo brinca na barriga dela, se desliza, e sobe um pouco…, e depois desce?

O poeta reira vagina e coloco seio.

Tenho uma mulher de quem gosto muito, tenho um emprego de que não gosto nada e é uma merda, e acabo de beber o meu segundo copo de uísque.

Estou muito cansado, estou sentado, e fumo

Estou na cozinha, às vezes olho para o frigorifico; e penso o quão importante são os engenheiros.

Acreditem, não existe nada no planeta terra que não tenha a mão de um engenheiro…

Adiante. Que se fodam os engenheiros.

Um cão acaba de fazer xixi no telhado, sinto-o. Prezado leitor, e peço desculpa se para alguns é presado leitor, tenho-o a informar, que a partir desta data,

Sou livre. Gaivota em papel desconhecido e sempre em cio, como as gatas e os pedaços de gelo deste copo.

Magnifico senhor, louvado sejas, poeta dum cabrão que te apoderas do meu corpo, e o levas, para todo o lado.

Terceiro copo de uísque. Último acto. A saudade. A morte. O desejo. Tudo, mas tudo, coisas.

O comboio das vinte e três horas sobe devagarinho as famosas curvas de Murça. O fininho jura a pés juntos que a loiça que está com restos de comida, e já com bichinhos, na pia há mais de três semanas,

É uma experiência cientifica.

Leirão – és mesmo porco, fininho, foda-se

Fininho – fala baixo, isto é uma experiência.

Estou cansado. Muito cansado. Mas não posso parar de escrever. Quem sabe eu morro esta noite?

Será este o meu último texto?

E se deus não passar de uma complexa equação matemática…! Sem solução.

Fumo. Penso. Amo esta mulher.

E ela também me ama muito, caso contrário, não estava ao meu lado, acreditando nos meus sonhos, e nas minhas loucuras.

Hoje só quero escrever, como se fosse o meu último poema. Da noite. Do dia. De todos os poemas escritos. O fim. O testamento disfarçado de poema.

Aos dois de Setembro de Dois Mil e Vinte e Quatro, pelas dezasseis horas e perante mim, o notário poeta, compareceram as testemunhas assim e assado,

E foi dito pelo primeiro outorgante que era dono e senhor de um palmo de terra,

Sito,

Na nossa senhora dos prazeres.

A navalha ergue-se. A laranja que tenho sobre a mesa, foge.

Emerge na solidão da noite,

O primeiro silêncio da tua voz.

Vou na terceira página, no terceiro uísque, e não. Não quero parar.

Puxo de um cigarro. Acendo-o. Dou uma baforada, e poiso-o no cinzeiro.

Saboreio cada milímetro doença deste fumo que alimenta os volantes do meu corpo.

Sou quase engenheiro mecânico mas isso não me interessa, sou poeta, e vou morrer,

Poeta.

 

Escuto os apitos das estrelas acabadas de morrer. Tudo morre, eu, morrerei, como diz o senhor Álvaro de Campos. E quem sabe

Um dia,

Eu e ele, juntos numa qualquer rua de Lisboa.

Não quero dormir, mas também não quero morrer. E se eu soubesse que o teu corpo era uma nuvem de mar, eu atirava-me já,

Para dentro de ti.

 

E sabes, todos temos sílabas escondidas nas mãos.

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