(dedicado
à Cristina Gaspar)
Aqui, sou o copo de
uísque dos teus lábios
Aqui, sou o teu escravo,
meu querido poeta
Que te empresto este
corpo
Para que possas deambular
pelas eiras das aldeias, para que possas te alimentar,
Logo pela manhã.
Aqui te oiço, meu cabrão
de um poeta, aqui
Nunca serás a minha
força,
Para voar juntamente com
os pássaros.
Hoje posso escrever, tudo,
hoje posso escrever tudo aquilo que me apetecer,
E sabem porquê?
Porque tenho motivos que
sobram,
Nos ramos de uma equação.
Serei o gelo que brinca
neste copo de uísque, que brinca na tua barriga, sobe um pouco,
Desliza,
E morre na tua vagina.
Hoje posso tudo, porque
tenho motivos…
Ouve lá poeta dum cabrão!
Se o gelo brinca na
barriga dela, se desliza, e sobe um pouco…, e depois desce?
O poeta reira vagina e
coloco seio.
Tenho uma mulher de quem
gosto muito, tenho um emprego de que não gosto nada e é uma merda, e acabo de
beber o meu segundo copo de uísque.
Estou muito cansado,
estou sentado, e fumo
Estou na cozinha, às
vezes olho para o frigorifico; e penso o quão importante são os engenheiros.
Acreditem, não existe
nada no planeta terra que não tenha a mão de um engenheiro…
Adiante. Que se fodam os
engenheiros.
Um cão acaba de fazer
xixi no telhado, sinto-o. Prezado leitor, e peço desculpa se para alguns é
presado leitor, tenho-o a informar, que a partir desta data,
Sou livre. Gaivota em
papel desconhecido e sempre em cio, como as gatas e os pedaços de gelo deste
copo.
Magnifico senhor, louvado
sejas, poeta dum cabrão que te apoderas do meu corpo, e o levas, para todo o
lado.
Terceiro copo de uísque. Último
acto. A saudade. A morte. O desejo. Tudo, mas tudo, coisas.
O comboio das vinte e
três horas sobe devagarinho as famosas curvas de Murça. O fininho jura a pés
juntos que a loiça que está com restos de comida, e já com bichinhos, na pia há
mais de três semanas,
É uma experiência
cientifica.
Leirão – és mesmo porco,
fininho, foda-se
Fininho – fala baixo,
isto é uma experiência.
Estou cansado. Muito cansado.
Mas não posso parar de escrever. Quem sabe eu morro esta noite?
Será este o meu último
texto?
E se deus não passar de uma
complexa equação matemática…! Sem solução.
Fumo. Penso. Amo esta
mulher.
E ela também me ama
muito, caso contrário, não estava ao meu lado, acreditando nos meus sonhos, e nas
minhas loucuras.
Hoje só quero escrever,
como se fosse o meu último poema. Da noite. Do dia. De todos os poemas
escritos. O fim. O testamento disfarçado de poema.
Aos dois de Setembro de Dois
Mil e Vinte e Quatro, pelas dezasseis horas e perante mim, o notário poeta, compareceram
as testemunhas assim e assado,
E foi dito pelo primeiro
outorgante que era dono e senhor de um palmo de terra,
Sito,
Na nossa senhora dos
prazeres.
A navalha ergue-se. A laranja
que tenho sobre a mesa, foge.
Emerge na solidão da
noite,
O primeiro silêncio da
tua voz.
Vou na terceira página,
no terceiro uísque, e não. Não quero parar.
Puxo de um cigarro. Acendo-o.
Dou uma baforada, e poiso-o no cinzeiro.
Saboreio cada milímetro doença
deste fumo que alimenta os volantes do meu corpo.
Sou quase engenheiro
mecânico mas isso não me interessa, sou poeta, e vou morrer,
Poeta.
Escuto os apitos das
estrelas acabadas de morrer. Tudo morre, eu, morrerei, como diz o senhor Álvaro
de Campos. E quem sabe
Um dia,
Eu e ele, juntos numa
qualquer rua de Lisboa.
Não quero dormir, mas
também não quero morrer. E se eu soubesse que o teu corpo era uma nuvem de mar,
eu atirava-me já,
Para dentro de ti.
E sabes, todos temos
sílabas escondidas nas mãos.
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