terça-feira, 4 de março de 2014

A casa sou eu

foto de: A&M ART and Photos

Uma casa,
pensava que o teu corpo se ausentava das tardes de Primavera,
uma casa em ruínas cansada das ruas sem saída,
uma casa em solidão, uma casa acorrentada a esqueletos de insónia,
uma casa em desejo, que o desejo se perdeu...
pensa eu,
uma casa só, triste, uma casa que se entranhava nas frestas da madrugada,
uma casa de sorriso cor-de-rosa com flores de papel,
e mesmo assim, tínhamos uma varanda com acesso às estrelas,
sentávamos-nos sobre a mesa granítica da paixão...
e sonhávamos... e, e dormíamos pensava eu,
(pensava que o teu corpo se ausentava das tardes de Primavera),

E esta casa sou eu,
um corpo flutuante no Oceano do sofrimento, pinto nos teus olhos... pinto a dor,
e desenho no teu corpo, um outro corpo, um corpo com fatias de xisto para te encobrir as pálpebras dos nocturnos sótãos como melódicas sandálias de prata,
uma casa em forma de homem, uma casa, eu,
pensava,
acreditava que a cidade era linda quando acordava a noite,
descia a calçada, corria em direcção a Cais do Sodré, e via o meu corpo, o meu corpo em formato de casa, desabitada, límpida... com braços entrelaçados no luar,
com corredores mais longos do que a própria morte,
uma casa, esta casa, a casa que sobejou da tempestade,
sentada,
à mesa dispersa nos confinados corações de espuma...
a casa que o meu corpo construiu nas ardósia manhãs que o Inverno levou...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 4 de Março de 2014

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