foto: A&M ART and Photos
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Uma cidade em chamas, um povo em alvoroço, as
árvores balançam com a fome do povo em alvoroço, e tu, tu aí
sentada, a fumar cigarros, como se não estivesse a acontecer nada de
especial, está tudo bem dizes-me tu, não há problema, arreganha-me
os dentes o teu pai, e no entanto, balançam as árvores, e no
entanto, de tanto balançarem... poderão cair, sobre as mãos
líquidas do povo em alvoroço, cansado de sofrer, e sem rosto,
recomenda-se, e até diria que nunca vivemos como hoje, somos
felizes, somos um casal feliz, sorridente, somos perfeitamente... os
mais parvos do bairro onde vivemos – És tão pessimista, meu
querido! - como fui pessimista quando fugi para cima de uma árvore,
quando criança, e só consegui descer com a ajuda dos bombeiros, e
tudo, porque, o Alberto meteu-me em cabeça que se eu estendesse um
arame no caminho para o bairro, a meia altura do chão, era engraçado
quando o senhor António passasse de motorizada, já noite dentro, e
com algum desequilíbrio devido à falta de luminosidade ou porque o
tinto da tasca da dona Francisca era do melhor que havia, não
interessa, o problema foi que quando o pobre do homem vinha no seu
rame-rame, pumba, ele para um lado e a pobre da motorizada para
outra, conclusão – Quase que era degolado! - decapitado, poderá
dizer-se, e ainda nós não vivíamos na Coreia do Norte, ou na
China, que a família do pobre condenado à morte por fuzilamento,
coitados, têm de pagar a respectiva munição – Queres tu dizer,
meu querido, têm de pagar a bala? - sim, é isso, sim...
(os animais humanos sem direitos porque o direito do
dinheiro fala mais alto do que a dignidade, tudo se cala, aqui e fora
daqui, e assim vão enviando contas de munições a cada família que
por azar, um dos seus queridos resolveu desafiar o sistema – E? -
sim? - E se eles tiverem fraca pontaria, isto é, se o condenado
precisar mais do que uma bala para voar até ao infinito amanhecer? -
boa pergunta, minha querida, nunca tinha pensado nisso...)
Sim, talvez, talvez prendam as árvores com fios de
aço para que não balancem tanto, mas... - Mas, meu querido, não há
aço que aprisione o pensamento, e esse, vai sempre balançar... -
mas esta cidade começa a ficar infestada de ratazanas, cabrões e
pratos de porcelana...,
(depois dizes-me alguma coisa? - Sim, minha querida,
digo)
Amo-te – Desculpa, não sabia, minha querida – e
o “panasca”, desde miúdo que nunca gostou de sopa, papas, ou
coisas similares, e agora – Obrigaram-te a comer sopa? - e agora
digo-o, sem medo que te amo, e pergunto-me, questiono-me, adormeço
pensando em ti, e a perguntar-me - E tu rapaz, sabes o que é o Amor?
- desculpa, não sei o que são veredas cinzentas com fios de aço,
desculpa, minha querida, não sei o que são fios de prata enrolados
em pescoços feios, lânguidos, bronzeados cálices de azevinho,
mórbidos, esfomeados como o fumo das sanzalas sem candeeiros de
oiro, sem rios de magnésio, sem nuvens de chocolate, como a vida de
“merda”, a nossa vidinha, de bairro de preferia,
(de uma cidade em chamas, um povo em alvoroço, as
árvores balançam com a fome do povo em alvoroço, e tu, tu aí
sentada, a fumar cigarros, como se não estivesse a acontecer nada de
especial, está tudo bem dizes-me tu, não há problema, arreganha-me
os dentes o teu pai, e no entanto, balançam as árvores, e no
entanto, de tanto balançarem... poderão cair, sobre as mãos
líquidas do povo em alvoroço, cansado de sofrer, e sem rosto,
recomenda-se, e até diria que nunca vivemos como hoje, somos
felizes, somos um casal feliz, sorridente, somos perfeitamente... os
mais parvos do bairro onde vivemos – És tão pessimista, meu
querido! - como fui pessimista quando fugi para cima de uma árvore,
quando criança, e só consegui descer com a ajuda dos bombeiros...,)
Começo – Não percebi, minha querida! - ah...
sim, quando lá passar eu digo-lhe, fica descansada, começo a ficar
farto das palavras, dos poemas e dos textos que parecem poemas,
começo a ficar farto, dos livros, e das coisas parecidas com livros,
começo a ficar farto com o amor e com todas as coisas parecidas –
Terminadas em dor? - ou isso, é-me igual, desigual seria se quando
regressasse a casa e não encontrasse a porta de entrada, o pior
seria se regressasse a casa, encontrasse a porta de entrada,
entrasse, e lá dentro, nada – Como nada, meu querido? - nada, nem
paredes, nem janelas, nem escadas, nem móveis, absolutamente nada –
Imagino-o, meu querido, imagino-o... - e mesmo assim pedia à vizinha
do lado – Vizinha, faz o favor de me emprestar a corda de nylon que
serve para prender o seu burro à oliveira da terra funda? - ela meia
mouca – Quer-se matar, menino? - e como posso eu explicar-lhe, a
ela, à dona Francisca, que a corda era apenas para eu lançar ao
ramo mais forte da árvore do quintal, e tentar subir até que não
existisse mais árvore – Como o fizeste na infância? - e depois
vinham os bombeiros, e eu descia
(sim, como o fiz na infância)
E descia, e descia, descia...
(quase ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
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