quinta-feira, 8 de novembro de 2012

O transeunte apaixonado


O imperfeito incrédulo transeunte emagrecido
nas pálpebras azuis do destino
podia acordar a alvorada
e escrever nas paredes cansadas
que as arcadas cadeiras sem focinho
constroem na insignificante janela do Outono
ai a cidade com um rio travestido de mar
e o mar
e o mar em engates na maré do silêncio
o amor é o amor
das palavras
e no corpo tua boca em soluços madrugadas,

o amor amar os barcos em sucata
pedacinhos de aço
nos lábios desejados das ranhuras frestas do granito jazigo literário
os poemas em festa
orgias
e danças de salão na cave do eléctrico para Belém
deixando a Ajuda nas águas transversais adormecidas das gargantas loucas
e eu procuro-te pensando nas árvores infinitas tuas mãos
abraças-me?
dar-me-ás um beijo invisível com sabor a chocolate?
abraças-me nas finíssimas argolas de papel suspensas no tecto da algibeira?
e as vacas do tio Serafim comeram toda a erva do meu caderno preto,

e dou-me conta que não estou louco
nem doente
estou apaixonado
feliz por ser amado
e é nos momentos que me apetece adormecer eternamente
que quero amar loucamente os cortinados loiros dos teus olhos encarnados
(O imperfeito incrédulo transeunte emagrecido
nas pálpebras azuis do destino
podia acordar a alvorada)
podia adormecer a noite
e todas as lâmpadas se extinguirem nas sombras da calçada
porque eu não me importo que chovam as palavras que a cidade transpira,

não me importo das vacas do tio Serafim
nem dos livros ainda não escritos
e dos poemas que apenas fazem parte do teu ventre lilás de sílaba acácia
que os dias mortos desenham na areia
não me importo da chuva
e do vento sem vento fingindo ser vento
porque a paixão come a erva do meu caderno preto
perco todas as palavras semeadas na Primavera
perco as gaivotas melancólicas do Tejo enjoado
também ele apaixonado
pelas pequenas flores que os barcos transportam
e deixam abandonadas no fundo oceano o desejo construído com os insectos...

(poema não revisto)

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Entre sílabas e palavras e silêncios madrugadas


O doce frio
emagrece o corpo embrulhado em desejo
fingindo-se de morto
e evapora-se nas frestas do olhar esverdeado
que o rio abraçado à janela
pinta nos lábios do poema,

é isto o amor
dois corpos
mergulhados no oceano de livros
é isto amar
caminhar sobre as nuvens
e sonhar,

amar a tua pele de cravo que Abril semeou
nas mãos de uma criança
quando dormia a cidade
amar o amor em doce frio
que o desejo consome dentro das estrelas azuis
e papeis ornamentais nas paredes do sofrimento,

acorda o cansaço
o doce frio
o abraço
que dos lábios crescem as noites infinitamente desencontradas
abraço-te
e desenho no teu doce frio corpo os uivos das madrugadas,

às vezes
as lágrimas de ti desaguam no meu rio inventado
não dou importância aos barcos sem motor
nem às flores sem cor
às vezes
às vezes disfarço-me de esqueleto com duzentos e seis ossos,

e fingindo-me de vivo
beijo-te loucamente sempre que posso
porque poucas vezes
às vezes fingindo-me de poema
deito a minha cabeça nos teus olhos
e adormeço entre sílabas e palavras e silêncios madrugadas...

(poema não revisto)

Francisco Luís Fontinha
Alijó, 07-11-2012
http://cachimbodeagua.blogs.sapo.ao/  


terça-feira, 6 de novembro de 2012

E será que me ouves?


Trazes de ti as chaves complexas da paixão
o vidro da madrugada nas árvores ou o amor
que submerso nas coxas do rio
o púbis equilátero do silêncio
na mão do espinho
à boca confusa da maçã
quando se desembaraça da gravidade
grave gravíssimo o planalto dos sonhos

e trazes de ti as chaves
da paixão e descem as gotinhas de desejo
na pele adensada de moluscos e fios de luz
quando da cidade choram as pontes
e todo o aço saudável
derrete na mão de deus
e dizes de ti em ti
os cansaços fictícios que os teus lábios desenham no leito dos amantes indefinidos

os ausentes
os oprimidos
os desgostosos dias de cimento
entre ventos e velas de mármore
em lápides
sem alimento
trazes de ti as chaves complexas da paixão
o vidro da madrugada nas árvores ou o amor

vem vêm vem ao destino marcado no xisto
vêm as águas preguiçosas do Outono
vêem-se águias e gaivotas e barcos
nas abelhas enferrujadas
vem vêm vem ao meu encontro
a tua língua sílaba doirada
em sol e da lua
à Primavera desejada...

E será que me ouves?

Francisco Luís Fontinha / 06-11-2012

(poema não revisto)

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

A paixão das árvores e silêncios parvos


Saborearei as luzes desejos que no teu corpo vivem
as estrelas de pétalas e sorrisos amargos
que eu transformo em silêncios parvos
saborearei os enjoou-os das palavras sem nome
sobes as escadas cansadas
em fome
a maldita alvorada
quando pela calada
te vêm buscar e desapareces entre as aspas do paragrafo sonolento
do texto escrito na porta de entrada da casa
da tua misera casa de ossos de pano
e janelas de papelão,

Desenhas flores nos muros que circundam as sandália de couro
do miúdo da aldeia empenhado no banco de jardim
alguns euros para o transporte desassossegado dos carris paralelamente
com abraços no infinito
dois homens com chapéu de palha e uma mão de cigarros embainhados nas madrastas hortas
das planícies orvalhadas das meninas de cabelo loiro
e olhos azuis fingindo alegrias e sílabas de seda
oiço-te das luzes desejos
saborearei nas tuas coxas os poemas construídos nos sonhos
quando o mar te entra em casa
e o teu ventre cinzento
se alicerça nos espinhos da morte...

(poema não revisto)