quarta-feira, 25 de setembro de 2024

A cidade dos cadáveres em pedras frias

 

Existiam sorrisos de dor

nas tuas palavras

pequeníssimos beijos de luz

na madrugada sem destino

o eu ausente

caminhando sobre o mar em flor

em menino

o amor

que a chuva sente

nas tardes de Outubro

o poema transforma-se em pedacinhos de xisto

e mel poisado nos lábios da amêndoa,

 

Procuro a cidade

dentro da algibeira dos cadáveres quando dormem sossegadamente

nas pedras frias do destino

a cidade cresce dentro das ruas sem saída

que o rio engole das janelas da manhã enfeitada com fios de papel,

 

Oiço vagarosamente os sorrisos de dor

nas tuas palavras,

 

e uma corda de sono

entrelaça-se nas minhas mãos esquecidas nas árvores do inverno

cai a noite sobre nós

e descem as estrelas até aos teus olhos de luar.

A casa das estrelas com olhos verdes

 

Conheci uma casa

onde habitava uma estrela

louca

com olhos verdes

e deliciosa boca

era uma casa pintada de silêncio

e via-se da calçada

o rio à sombra da noite

 

e quando chovia

 

e quando chovia

a casa voava sobre o mar

e ao deitar

o amor poisava

sonhava

que acordasse o dia.

oito milímetros de tédio entre quatro paredes de vidro

 

A cena passa-se dentro de um carro

uma avenida despida

duas miúdas giras

e um charro

o charro come o carro

e sem roupa

a avenida

finge orgasmos no rosto das miúdas giras

eu estou sentado

na pastelaria

à janela

à deriva

espero espero e espero

e ela não vem

e ela sentada invisível na minha mesa

choram choram choram as luzes cansadas do silêncio meu destino

as duas miúdas giras

e um charro

dentro de um carro

à deriva na avenida

sem roupa

despida

que puta a minha vida

sem carro

sem miúdas giras

que fingem orgasmos no rosto do charro

que puta

a minha

que puta de vida esta de estar sentado na pastelaria

abandonado

nos cornos da avenida...

nua

tua

perdidamente despida

a avenida Sá Carneiro.

Os alicerces de prata

 

Construo os alicerces de prata

no centro da noite

escrevo amo-te sobre o ponto negro

da fotografia onde se ouve o mar

e ao longe

o cheiro intenso dos barcos sem amor

 

(e ao longe os uivos dos corações

ancorados ao cais pintado de negro)

 

construo as palavras dos teus lábios

e fingidos orgasmos de luz

entram nas sombras das árvores apaixonadas

o teu belíssimo sorriso

mergulha nas planícies do centeio adormecido

às vagas sem destino

 

(e ao longe os uivos das palavras

que dormem no caderno preto)

 

sábias melódicas flores de prata

terminam a viagem nos teus olhos de noite

e que a morte

e que a morte é simplesmente

um texto de ficção

no caos do amanhecer

 

acorda o desamor

entre as quatro paredes da solidão

 

um poema com deficiência na construção

das rimas insignificantes

antes de terminar o dia

a das árvores do teu peito

o centro da cidade

num ponto negro de luz

à espera das melódicas flores

nos rochedos do desamor.

As madrugadas ausentes

 

Horríveis

as madrugadas ausentes da tua invisibilidade

as noites sem noite

as estrelas ardem nas ardósias do desejo

 

horríveis

as tuas mãos de ninguém

quando tocam o meu rosto de granito abandonado

 

horríveis

as madrugadas ausentes

quando as janelas do meu quarto se transformam em vãos de escada

com grades de aço

 

horríveis

eu à tua espera junto ao cais travestido de mendigo

a desenhar um rio de mentira

onde brinca um amor dentro da clareira

e correm as gaivotas dos teus olhos

inventados por mim numa noite de loucura

 

horríveis

todos os nomes

e flores e árvores da floresta do amor.

Infância

 

Sentado nesta cadeira cinzenta

Penso na minha infância…

Recordo os finais de tarde

Suspenso no portão

À espera do meu avô e do meu pai,

Penso sentado nesta cadeira cinzenta

Recordo os barcos

Recordo o mar

E os filhos dos barcos,

Recordo os meninos que brincavam comigo

Recordo os meninos que me ensinaram a voar…

Que me ensinaram a olhar a paisagem,

 

Sentado nesta cadeira cinzenta

Penso na minha infância…

Recordo os papagaios em papel colorido

Que a minha mãe construía,

Sentado nesta cadeira cinzenta

Penso e recordo,

Vejo a minha mãe a brincar às escondidas comigo,

Penso e recordo,

Vejo o meu pai a olhar as acácias…

Depois,

Dizia-me que um dia eu ia entender…

Hoje penso e sentado nesta cadeira cinzenta…

Que nunca entendi.

terça-feira, 24 de setembro de 2024

Entre o néon e a montanha invisível

 

A tua cidade

em fotografias

as árvores da tua cidade

em ruínas

como os homens da tua cidade

sem braços

ao vento

com frio

 

como as crianças da tua cidade

com fome

sem um rio para brincarem

a tua cidade

mergulhada no fantasma do amor

entre o néon e a montanha invisível

 

ao vento

com frio

 

a tua cidade

que acaba de morrer

 

no fantasma do amor.