segunda-feira, 23 de setembro de 2024

A loucura

 

Não sabia que a loucura

é um frasco de vidro com olhos verdes

que ama

loucamente

a paixão

não

não sabia

que em ti cresce poesia

 

melancolicamente

em alegria

geometricamente

suspenso no teu pescoço com asas azuis

e suspiros de prata

 

a loucura

um frasco de vidro com olhos verdes

(melancolicamente

em alegria

geometricamente

suspenso no teu pescoço com asas azuis

e suspiros de prata)

a fotografia do teu rosto cinzento

 

o frasco de vidro

desce ao silêncio do sono

uma fotografia com olhos verdes

a loucura transpira

emagrece

sorri e ri e liberta-se das tuas garras

(loucamente)

a paixão

 

sem amarras

a loucamente loucura

na tua mão

com olhos verdes

 

sem cancelas

portas

ou janelas

 

a paixão cresce

a paixão cresce e transpira

ou janelas

portas

sem cancelas

 

não admira

não sabia que a loucura

é um frasco de vidro com olhos verdes

que ama

loucamente

a paixão

 

ama

a paixão loucamente

nos lábios de uma gaivota

ama

ela

com ternura

eu não sabia

que a poesia

é um frasco de vidro com olhos verdes...

a loucura

sem ela

quando finge dormir dentro do mar

a janela para o teu olhar

 

a janela para o teu olhar

perdido eu

esquecido eu

neste veleiro desgovernado

na solidão do mar

 

perdido eu

na porta do amor

nos cortinados de amar

 

a janela para o teu olhar

perdido eu

esquecido eu

 

perdido eu

esquecido eu

na janela para o teu olhar

encerrada hermeticamente

como um cubo de vidro

na fogueira da noite

 

perdido eu

esquecido eu

 

sem janela para o teu olhar.

A inquietação de ser

 

Como são os livros com cabeça de saudade

como são as palavras assassinadas pelas mãos do amor

como são as ruas da tua cidade

sem jardim sem flor,

 

Como são os barcos de sonhar

quando da noite descem as estrelas sem nome sem paixão

como são

meu amor as tarde de Verão

quando dormes sobre um braço lacrimejado pelo mar,

 

Como são os versos de escrever

nas lisas tempestades dos muros sem cor

como são as sílabas de prazer

quando o teu corpo se transforma em dor...

domingo, 22 de setembro de 2024

Letras serpentes voando

 

Há os grãos de areia que poisam na tua pele

como letras serpentes voando de cerejeira em cerejeira

há as pedras pássaro que dormem na tua mão

como uma sílaba acabada de nascer

há nos teus seios pincelados de cinzento

flores de pétala amarela e olhos azuis,

 

Há a chuva embriagada

que das nuvens inventam o prazer nocturno da paixão

rompem as amarras e as correntes em aço

como saliva deleitada entre rios e pontes imaginárias...

há mulheres com bocas de cetim

brincando como crianças nos relvados e jardins,

 

Há os dias sem fazer nada

e os minutos às janelas envidraçadas

há lágrimas dilaceradas como águias envenenadas

pelos pequenos parafusos de aço

que alicerçam os barcos ao cais dos desejos...

há os grãos de areia que poisam na tua pele.

Fingidas tristezas

 

Fingias tristezas

no planalto imaginário das palavras incompreendidas

desenhavas as árvores e os arbustos que a despedida levou

quando regressou a tempestade de areia

e o teu corpo permanecia absorto ou morto ou simplesmente infinito,

 

Perdido nas íngremes amargas letras vermelhas

imagens a preto-e-branco projectavam-se-lhes como dentes de marfim

em crocodilos de madeira negra

húmida

também ela ausente da Primavera tarde que o silêncio amanhava,

 

E hoje

ninguém

coragem

ninguém o apanha do cinzeiro vestido de abelhas flutuantes

quando me escrevias insignificantes palavras desconexas,

 

Velhas

cansadas

mentiras de anda

como as madrugadas de cimento

e a marmelada caseira,

 

Minhas manhãs de nada

ou nada sabendo que não estás nas fingidas tristezas

de livros ou papel amarrotado como as lanternas da solidão

e que sim que simplesmente levitou

às mágoas uivas maçãs do prazer...

Deleite corpo

 

Deleite corpo embrulhado na bruma poesia

que do mar em silêncio espuma

as minhas mãos de seda percebiam a fantasia

do olhar eu sentia

o vento soprar

que me fazia sofrer...

e eu sofria

tinha sorrisos de amar

e lágrimas de morrer...

levantar-me das nuvens Margaridas

como vidros em desassossego entre tardes perdidas

e noites de medo.

Cidade de vidro

 

Há uma cidade com janelas de vidro

tem ruas e pessoas

há uma cidade com jardins invisíveis

e marés transparentes... que nem todas as pessoas

as pessoas dessa cidade

… há uma cidade

que nem todas as conseguem olhar

como persianas marteladas em papel hortelã,

 

Há marinheiros

filhos da cidade

vagabundos dos mares inavegáveis como rochas íngremes nas estradas de brincar...

há uma pobre cidade com braços de porcelana

e palmeiras

e pássaros...

há uma cidade em penumbras madrugadas

uma cidade embriagada,

 

Há uma cidade que renasceu do teu olhar sobre a ponte inoxidável...

uma cidade com seios prateados e coxas de plátano...

há conversas perdidas nas sombras desta cidade

uma cidade com beijos de lábios em néon imaginário

e pássaros

e palmeiras

há uma cidade com janelas de vidro

e toalhas de linho... sobre a mesa nocturna dos sexos débeis das flores perdidas na calçada...