terça-feira, 10 de setembro de 2024

Vilarelho

 

Metropolitano

Linha azul

Centro da cidade

Vilarelho,

Não funciona hoje.

Lamentamos,

Apenas um atropelamento,

Nada mais,

Um morto,

Dois feridos ligeiros, leves, que voam

Sobre a cidade.

 

O Município mais limpo do país

Agradece.

 

Uma comissão de inquérito

Irá averiguar

Se foi um acidente, acidente

Ou se foi apenas,

Um suicídio.

E caso se prove,

Ter sido

Um suicido,

Os familiares das vítimas terão de indemnizar

Os TFA (Transportes Ferroviários de Alijó),

No prazo máximo

De sessenta dias

Após os resultados

Da comissão de inquérito.

 

Bom. Não há metropolitano,

Vamos de cacilheiro até ao Castedo;

E que não,

Porque hoje,

Estão cm greve.

E quando eu ia de cacilheiro

Para

O Barreiro,

 

Nunca, nunca estava disponível, mais parecendo um pedaço de sucata,

Do que um bairro,

Em lata,

E aprumado. Licenciou-se a um domingo e hoje

Escreve poemas,

Nas mesas dos cafés. Vende-os a cinco tostões, cada.

Cada cigarro é uma lâmina para a morte, e mesmo assim

Fumo,

Enquanto saboreio o uísque, e penso

Que há ranhosas e ranhosos

Que acreditam,

Ser o centro do Universo.

E pensem comigo, leitores.

 

Se uma das teorias do Universo é de que o universo é infinito…

Digam-me leitores, qual é o centro de alguma coisa que seja infinita?

Digam-me, uma.

Uma apenas.

 

Portanto

Estes ranhosos

E

Estas ranhosas,

Nunca serão,

O centro do Universo.

 

Metropolitano

Linha azul

Centro da cidade

Vilarelho,

 

Daqui a pouco é dia. E enquanto o morto não estiver nas mãos do médico legista,

Uma sílaba de prata anima o velório Pselo-masterizado do silêncio de uma voz,

Tão farta,

Dos meus olhos. Tão cansada, das minhas mãos.

 

O que farei, hoje!

Se a noite for um fiasco, sem público, só

Eu e os meus mil papeis na fogueira

De uma lágrima.

 

Talvez vá a pé. Assim,

Nunca encontrarei um suicidado qualquer, que por capricho da mulher, resolveu

Erguer-se

Sabendo que depois,

Uma janela o remeteria para o abismo. Matou-se, o gajo.

Filho da puta. Conseguiu aquilo que queria.

Despedir-se sem dizer o nome. Nem a idade…

 

Nunca me matarei, porque sou, covarde.

 

Talvez nem vá hoje,

Para

O Vilarelho de Alijó.

Não sei o que sou.

Ainda não andava na escola e já eu inventava personagens que brincavam comigo debaixo da sombra

Das mangueiras.

Nasci em Luanda e qualquer coisa, muito poderosa, me prende,

Às vezes tenho a sensação de que se trata de um cheiro

Ou quem sabe,

De uma pessoa.

Lembro-me de uma menina que brincava comigo, era loirinha,

E nunca mais a vi.

 

Comecei a escrever desde muito novo, mas

Como sou muito

Tímido,

Escrevia, não mostrava a ninguém, e

Escondia.

Hoje tenho três caixas com mais de 1000 poemas, dactilografados,

E outros

Não,

Que espero muito em breve

Queimar.

Como queimei todos os desenhos da minha adolescência numa noite de heroína.

 

Comecei a apaixonar-me por barcos. O meu pai, todos os domingos, levava-me ao porto de mar e eu,

Delirava; com o tanho e com o cheiro intenso a nafta. Eu, adorava e tinha apenas 4 ou 5 anos.

Mas mesmo assim,

Sentia a falta, a mesma que hoje sinto, de qualquer coisa, que talvez nunca venha a saber,

Que coisa é essa.

 

Talvez um cheiro. Talvez, uma pessoa.


 

Preciso que a tua sombra ilumine o meu silêncio, de um pedaço de nada

Sobre o mar. Aos poucos deixei de ver o mar, sentir o cheiro

Do mar. Aos poucos os meus versos

De mar,

Deixaram de ser os versos

De mar.

 

Aos poucos tudo morre, aos poucos

O verbo é a palavra

Que o teu cabelo amansa,

Quando a noite,

É o mar.

 

E quando o mar

Não é a sombra do teu corpo, de mar

E quando a rua

É apenas uma linha perdida na chuva, aos poucos

Erguem-se as casas, e morrem

As pessoas. Aos poucos

 

Não pertenço mais a este triste silêncio

Que aos poucos,

É a geada da madrugada!

O rio

 

(à Cristina)

 

Sonâmbulo, o rio,

Esconde-se na tua mão

Inventando o frio

Numa noite de verão.

 

Desenhando a escuridão

Num pincelado desejo

Quando o rio é um clarão

Quando o rio… é um beijo.

 

Quando o rio é o teu olhar

E dos socalcos acordam as videiras,

Ao longe o mar

 

Que alegra as ribeiras.

Nas palavras de um abraço

Quando o dia é um silêncio cansaço.

 

Estás linda, hoje, percebo no teu olhar…!

Metade-laranja, uma outra metade

 

Uma laranja.

Metade de meia-laranja

Outra laranja e meia

Mais meia,

Meia laranja.

 

Metade de mim é laranja

Outra metade é

Poesia

Da metade da meia laranja

Há duas metades, metades de laranja

 

Outra metade me absorve,

E inventa na escuridão,

O medo

Da laranja.

 

Metade da metade daquela outra metade da laranja

Coisas em pedaços

Pedaços em metades,

De uma laranja.

 

Uma laranja, outra laranja.

 

Uma metade que se apodera da outra metade

E a aprisiona na metade, da metade, da laranja.

Serei eu, uma laranja?

 

Uma LADY-metade-laranja

Uma laranja sifilítica, abstracta da laranja

 

Quando uma das metades,

Já não é uma laranja.

O veneno será uma laranja?

E a corda do enforcado?

Será ela filha da laranja…

 

Perco-me dentro desta laranja.  SLAVE

TO

LOVE

E a laranja morre nas mãos da outra metade da laranja.

 

NO SON OF MINE

as sílabas do teu olhar

 

amar-te

dentro das palavras

que me roubam as sílabas do teu olhar

amar-te

sem saber como o dizer

ou escrever

amar-te

dentro das palavras

e ouvir da tua voz

os silêncios do amanhecer