sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Sobreviver

Sobrevivo, vivo.

Ausentado

Pareço

Sabendo que o silêncio

Pincelado

É um desejo;

Do corpo, amortalhado.

 

Sobrevivo, vivo.

Acreditando

Que o sol

Tem o teu nome

O teu endereço

Aquele em que eu pareço

Um poeta enforcado.

 

Sobrevivo, vivo.

Sonhando

Com os lábios do teu olhar

Sabendo

Que um dia

Toda a poesia

Será apenas o mar.

 

parece que o filósofo cá do burgo voltou ao ensino; quem diria.

 

(primeira parvoíce do dia)

teus olhos, onde voo

Voo nos teus olhos, meu pedacinho de silêncio

cânfora manhã dos primeiros pingos de chuva

flor aliena que nas minhas mãos se ergue em direcção ao céu

terra que se esconde nas lâminas de espuma do teu corpo

teus olhos, onde voo

quando acorda o dia.

 

Voo nos teus olhos, minha pétala de insónia

meu livro de poesia, onde escondo a noite

e mergulho neste labirinto que apelidaram de vida

corpo submerso no teu corpo

e se na tua mão acordar uma flor desenhada…

isso é

(impulse),

paixão vestida de desejo.

quinta-feira, 5 de setembro de 2024

O menino

Me enrolo nesta sombra de silêncio, primeiro capítulo do meu testamento,

Morria-me nas mãos.

Foi-se. Levantou voo e num arrepiante sentimento sem comer, deita-se sobre o rio,

Ergue-se a espada apontada ao destino,

Menino,

Determinado a comer todos os pedaços de noite,

Aqueles a quem diriam que o dia era a pirâmide do sonho,

Atropelou-o empurrando-o até às esquinas dos prédios em ruina, depois

Sentia-se tão triste quando olhava no espelho,

O MME, que não sei o que é, mais oiço-o por aqui.

Já não sei o que ia a dizer. Adiante. Siga a marinha mercante em direcção a Marrocos. AVANTE para a frente, e não caias sobre as pedras lapidadas de deus. Que deus o tenha no seu eterno descanso.

Mas que descanso?

Um gajo trabalha uma vida inteira e depois,

Morre e chega ao céu,

E vai continuar a trabalhar, sendo escravo de deu. Pois lá em cima deve haver muito trabalho para realizar, e claro

Não renumerado. Parece que deus, dizem, já não paga aos trabalhadores há muito, muito tempo.

E eu estou sem tempo.

Com muito tempo para ir a Lisboa e ficar

Por lá,

De onde nunca devia ter saído.

Escorreito, ele.

Eu sentava-me sobre uma pedra. Desleixava-me, não me vestia e sentia

Os pingos das putas,

Quando a chuva cai sobre a sanzala. O capim fumava nas traseiras da palhota, um gato, qualquer coisa a rimar

Com mato,

Continuando,

O gato era marreco, sofria das patas e

Fumava.

Mas deixou de fumar

No fatídico dia em que nasceu um menino num domingo de Janeiro, já andava de bicicleta à volta das cubatas, e lia

Poesia, depois do lanche.

O barco tremia de frio. O frio, também tremia,

De cio,

Quando o maldito do rio

Se afoga no mar.

Morreu, de quê?

Parece que tinha umas pequenas sombras

No fígado.

Sem cartão de cidadão, nada feito menina.

PRÓXIMO.

Ouviam-se os cortinados deambulando pela cidade à procura do tal destino,

Que só o menino,

O tal, aquele safado,

Dentro de um caixote de enguias, mergulhava

E trazia na boca moedas e oiro,

Verdade.

Eu vi na Madeira em 1971, tinha passado pelas Canárias, e São Tomé e Príncipe,

Coisa de miúdos, que estão sempre a sonhar

E

A inventar. Coisas.

Ao invés do sossego, desassossegou-se numa plataforma de ciúme sobre a praia de antigamente.

Tive um burro que ao Domingo estudava canto. Às terças-feiras sentava-se numa pedra

E fazia paralelos. Molas para a roupa e paralelos.

O pior era às segundas-feiras,

Embrulhava-se no tédio, migrava como uma lâmpada debaixo de um coqueiro,

Ao longe,

O Mussulo

Comendo amêndoas de chocolate. Ele é friorento. E é lento.

Coitado, dele.

Enforcado numa árvore, sem que nunca soubesse, que as sandálias eram em couro,

E eu,

Era tão livre, tão livre como são os sonhos.

 

De que cor

São

Os vossos sonhos, à sexta-feira?

Aqui, aqui me esqueço

aqui fico suspenso entre a chuva e a lua ensonada

aqui estou, aqui permaneço imprevisível

longínquo e só

aqui, aqui escondo palavras, traços embriagados pela noite

aqui, ausente de tudo

de ti.

 

Aqui, indivisível, na ânsia de conquistar a maré

com a minha mão.

Aqui, aqui estou, sentado, olhando pela janela o caos

de viver

ser

só.

 

Aqui, aqui são simples as noites

não tenho estrelas no tecto da minha alcofa

também não tenho o zimbro incenso a arder sobre mim

e aqui, aqui desespero pela chegada do outro livro de poemas

também ele

aqui.

Medo

Temos medo do medo

De que o medo nos absorva

Quando o medo, não nos pertence

E é apenas uma alvorada a acordar.

 

Temos medo

Do medo

No medo

De amar,

 

Temos o silêncio medo

Do medo desejar

Temos medo do mar

No mar está o nosso medo.

 

Temos medo de ter medo

No abraçar medo

Ai… temos tanto medo…

Do tocar medo.

Manifesto anti-amor

Os apaixonados, revoltam-se

A revolta, ignora-se

O amor desfruta da noite

Ama o circo onde habitas

Ergue-te de punho erguido

E se amas

Enforca-te

 

Envias cartas sem resposta

Escreves e ninguém te lê

Bates à porta

Uma senhora alta e muito alta

Não te abre a pota

Escreve-te uma carta

E viajas até ao quintal do vizinho

 

O Zé é meu

A Maria é tua

Que é rio

Que também é paixão

Que também é nuvem

Que é desejo

Que foi beijo

À janela

 

O segredo de justiça, manifesta-te

Revolta-te depois da meia-noite

Mais obesa do que ontem

Mais linda

Do que hoje

Revolta-te se amas

Se beijas

As árvores