sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

O mar dos teus olhos

 

Pergunto ao mar dos teus olhos

Se os barcos do poema

São de papel,

 

Pergunto aos teus olhos

Se os barcos do poema

São pigmentos de mel,

 

Se o mar dos teus olhos

São apenas poemas

O que faz no mar dos teus olhos

A sombra de um pincel,

 

Pergunto ao mar dos teus olhos

Se o dia é uma flor…

Os teus olhos respondem-me que não…

E escrevem na minha mão

Que o dia é poesia

E às vezes é dor.

 

 

26/01/2024

quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Falso poeta

 


Tenho escrito muito, mãe

Tenho lido muito, muito mesmo, aproximadamente oitocentas páginas por semana

Reconheço que é dispendioso

Ao preço a que está o combustível

É uma alta média

Olha

Tu é que estás bem

Nem te apercebes de como está o custo de vida

Um exagero

 

Tenho escrito muito, mãe

Tenho corrido com os falsos amigos

Leio muito, mãe

 

Não, mãe

Não estou só

Agora tenho outra família

E amam-me

 

Mas tenho escrito muito, mãe

E lido muito, mãe

Sim, mãe

Os falsos amigos

As falsas palavras

As falsas janelas

E os falsos mares

 

E já agora, os falsos poetas

Como eu, mãe

Como eu

 

Tenho escrito muito, mãe

Estou quase a terminar o Prima Contradição de Júlio Pomar

Já tinha lido umas coisas dele

E gosto muito

 

Tenho escrito muito, mãe

Tenho pincelado os lábios da Cristina com estrelas de papel

Quase, mãe

Quase como os papagaios que me construías

Em luanda

Só que os teus papagaios voavam

E as minhas estrelas

São sonhos

Sonhos, mãe

 

Tenho escrito muito, mãe

Como chocolates como a piquena do poema A Tabacaria

Do senhor Álvaro de Campos

E fumado muito, mãe

Como o Esteves da Tabacaria

 

Tenho lido muito, mãe

Tenho escrito muito, mãe

E enquanto leio

A lareira abraça-me na neblina cacimbo da saudade

Sim, mãe

O cacimbo sobre um penhasco

 O velho à procura dos cigarros

O avô Domingos a puxar os machimbombos pelas ruas de Luanda

E eu

Leio

E escrevo

 

E o senhor Álvaro de Campos

Fuma

E vai à janela

 

 

25/01/2024

Ribeira

 


Trazes-me as palavras de escrever

Trazes-me os versos de desenhar

Trazes-me a vontade de ser

Um braço de mar.

 

Trazes-me o peixe de olhar

Trazes-me o vento

Trazes-me o luar

Quando a noite é um tormento.

 

Trazes-me o viver

Quando o trigo poisa na eira

Trazes-me o amanhecer

E o nome desta ribeira.

 

Trazes-me a fome

Trazes-me o dia

Escondes o meu nome

E o meu corpo na poesia.

 

 

25/01/2024


Abraço

 

Aos amigos (as)

 

Fumo enquanto escrevo

Não tenho por hábito fumar

Enquanto escrevo

Mas às vezes,

Faço-o.

 

Não consigo escrever

Nas noites de luar

Mas vezes,

Faço-o.

Desenhar enquanto fumo enquanto escrevo enquanto o faço.

 

Não fumar.

Fumo enquanto escrevo

E escrevo enquanto o faço

Fumar,

Fumar um abraço.

 

 

25/01/2024

Montes

 

Dos montes

Onde vivemos

Das fontes

De onde bebemos

 

Da fotografia

Que tiramos

No dia

Que temos

 

Dos montes

Onde vivemos

Nos horizontes

Que prometamos

 

Nos montes

Que amamos

Nas pontes

Que procuramos

 

 

25/01/2024

Neblina

 


Traz a neblina

E esconde-me

Veste-te de menina

E esconde-me

 

Das flores desse jardim

Traz a neblina

E esconde-me de mim

E desta sina

 

E deste jasmim

Traz a neblina e não tenhas medo de me esconder

Tão pouco quando escrevo SIM

 

Traz a neblina que assombra a madrugada

E o amanhecer…

E a alvorada

 

 

25/01/2024


 Há sempre uma vaca no teu caminho…