quarta-feira, 29 de novembro de 2023

O teu rosto

 

No teu rosto, insígnia adormecida dos tempos de cólera, no teu rosto

A sílaba perdida do poema que o poeta escreveu à manhã.

No teu rosto, o sorriso da noite quando traz consigo a lareira da paixão, e o teu rosto, alicerça-se ao primeiro pingo de chuva,

Quando se erguem as margaridas deste jardim.

 

As luzes da rua, acordam do sonâmbulo dia, o teu rosto, esconde-se no

Meu rosto,

E a maré sonolenta, e a maré, enfeitiçada pela Aurora Boreal do teu sorriso, imagina no teu rosto um pedaço de sono,

 

No desejo da insónia,

 

Do teu rosto.

 

No teu rosto, ó meu amor, as sanzalas em brincadeira de criança, do teu rosto, quando penso na escuridão, e dou o triplo salto para o abismo,

Fecho os olhos, pego no teu silêncio, e sinto o teu rosto juntinho ao meu, e sinto a Primavera quando transporta na algibeira, as andorinhas, e do outro lado da rua, fica a casa, a casa onde escondo,

 

O meu rosto,

Do teu rosto.

 

No teu rosto, insígnia adormecida dos tempos de cólera, no teu rosto

A sílaba perdida do poema que o poeta escreveu à manhã.

Do teu rosto me escondo,

No teu rosto, deixo ficar, o meu rosto

 

E finjo dormir.

 

E desenho o teu rosto, no meu rosto, e desenho a tua mão, na minha mão

E depois da ausência, o mergulho no cacimbo, junto ao rio,

Daquele rio de que me escondo,

Do meu rosto,

No teu rosto

Este meu poeta com asas de avião, deste pobre poeta, do teu rosto,

O dia,

Em poesia.

 

No teu rosto.

 

Do teu rosto, a madrugada traz a palete de cores que o poeta vai deixar cair, aos pedacinhos, na tela sem nome, na tela vazia, vazia como a claridade lunar;

Finjo dormir.

Durmo no teu rosto.

 

Do teu rosto,

Mergulho, como descrevi à pouco, mergulho no cacimbo junto ao rio, mas que rio é este, este rio que não conheço, e este rio que também não conhece o teu rosto,

Neste rio de água cinzenta, na frescura paixão quando o pôr-do-sol corre para o mar,

E deixarei de ver o teu rosto.

 

Finjo, finjo dormir.

 

No teu rosto, insígnia adormecida.

 

 

29/11/2023

Papeis

 

Se estes papeis falassem, se estes papeis me dissessem alguma coisas, se alguma coisa há para dizer,

Se estes papeis fossem a chuva miudinha, quando bate ao de leve na vidraça, e quando a vidraça indiferente à minha presença,

Olha a vidraça do outro lado da rua,

Se estes papeis fossem o sono, dormiria todas as noites, não sonhava todas as noites, se estes papeis conseguissem chegar ao céu, eu falava com Deus…

 

Se estes papeis, pelo menos uma vez na vida, me dissessem o que fazem nesta secretária, quem os mandou vir, e quem autoriza a sua permanência.

Se estes papeis me abraçassem, se estes papeis me beijassem, enquanto escrevo neles o último poema da noite.

Se estes papeis, me deixassem ir, com o vento, ao teu encontro, se estes papeis me dissessem alguma coisa,

Outra coisa qualquer,

Porque nunca passarão de papeis,

Qua ardem

Na lareira dos teus lábios.

 

Se estes papeis, um dia, morrerem,

Quero as suas cinzas,

Quero-os; mortos.

 

 

29/11/2023

Se tu morreres

 

E se tu morreres! O que farei com o teu corpo. O que farei com as palavras que em todas as madrugadas brinco, e lhes afago os cabelos,

O que farei com os sonhos, se tu morreres!

O que farei aos meus poemas, o que farei a mim, e a todas estas flores.

 

Se tu morreres!

O que farei ao sono, e aos filhos do sono, o que farei ao silêncio, se tu morreres, o que farei a todos estes livros,

A todos estes papeis,

Se tu morreres.

 

O que faço a estas mãos, se tu morreres! Contempla-las, imaginar que acariciam o teu corpo quando a noite é escura, quando a noite é uma lágrima de sono, e tenho tanto medo de que tu me morras,

E tenho tanto medo ao que possa acontecer ao teu corpo de tronco de árvore…

 

O que farei, se tu morreres!

 

 

 

29/11/2023

Esquecer

 

Esqueci o teu rosto, esqueci a tua boca,

Esqueci o teu cabelo, do loiro amanhecer,

Esqueci as tuas mãos,

E a vontade de te querer.

 

Esqueci o teu sorrir, esqueci o teu olhar,

Esqueci a solidão que a noite abraça,

Que a noite contempla,

Esqueci o mar,

 

E as limitações do meu viver.

Esqueci o teu corpo, dócil tronco de árvore,

Esqueci o luar,

E a razão de escrever.

 

Esqueci a vida.

Esqueci a rua onde vivia, esqueci o silêncio,

Esqueci o que devia esquecer e aquilo que não devia…

Nunca o ser.

 

 

29/11/2023

terça-feira, 28 de novembro de 2023

Pianista

 


Pedacinho de ti

 

Naquele dia, eu tinha descoberto o beijo. Naquele dia eu tinha descoberto que o meu corpo podia ser amado, podia ser desejado, podia ser um dia

Poema

Ao outro dia

Poesia

Em melodia,

Podia ser a manhã.

 

Naquele dia, eu tinha descoberto os teus lábios. Naquele dia, eu podia ter sido pai, sem raiva, de o não ser

Naquele dia.

 

Naquele dia, eu podia ter olhado as tuas mãos de frágil mãe, mas não sei como são as tuas mãos, eu nunca vi as tuas mãos, meu amor

Daquele dia.

Naquele dia, eu tinha descoberto que o meu corpo é um poema, que se escreve, sem que eu queira que ele se escrevesse,

Preferia ser eu a escrevê-lo

Mas ele é que manda.

 

Naquele dia, eu percebi que o dia, é uma canção de amor

 

Que o dia é um pedacinho de ti.

 

 

28/11/2023

Perdão

 

Não posso pedir à manhã, perdão. Que perdoe todos os meus pecados, mas que pecados, quando o meu único pecado é escrever poesia,

É morrer esperando que regresse o mar,

Que nasça o dia,

Não posso pedir perdão à manhã, e se pudesse, nunca o faria.

Não posso pedir à manhã, perdão, clemência, que me seja reduzida a pena a que fui condenado (escrever poesia)

Que me façam uma estátua…

E um parvalhão de um pássaro me cague em cima.

 

Que diria eu, à manhã!

Olá, bom dia, estás bem, pareces triste, hoje

Sabendo eu que a tristeza é apenas um pedacinho de insónia nos lábios do luar, e graças a Deus, amar-te parece a coisa mais estranha de todas as coisas estranhas,

Nasce o dia,

Morre a noite,

E tu, manhã que implora por perdão, foges de mim

Escondes-te de mim.

 

Não posso pedir à manhã, perdão.

Não posso pedir à manhã perdão, mas posso pedir-lhe um livro de poesia, torradas e um pouco de café

Daqui a pouco, acordas

E eu, por aqui…

À procura de um cigarro.

 

 

Na algibeira.

 

 

28/11/2023