Odeio os teus olhos,
odeio a tua boca, odeio os teus lábios,
Odeio o teu cabelo,
Odeio as tuas mãos e
odeio o teu sorriso…
Odeio-te tanto, que te
amo de uma forma estranha,
De te odiar.
De te olhar.
De te amar.
28/11/2023
Serei pó, serei lápide,
tanta coisa, que eu posso ser.
Serei pão, porque não,
Serei bebida alcoólica, e
poema ao mesmo tempo, serei moca,
Pedra
E cólica
Sem sentimento.
Serei pó, serei a palavra,
a minha e a de Deus,
Serei janela, serei o mar
vestido de janela, quando olha a lua travestida de névoa-azul.
Serei gaja, gajo vestido
de gaja, serei pássaro, poeta e afins, serei o pedreiro trabalhando o granito,
escrevendo no granito as lágrimas de sua amada,
Sonâmbula,
Exige-se respeito, na
solidão do dia
As cabras, perderam-se no
monte, as pedras fitam as cabras depois dos filhos das pedras, morrerem de
tédio a coçar os tomates, olhando as cabras.
Serei angustia no teu
peito, fragância na tua mão, serei poema disfarçado de aldabrão, e de tudo ou
nada, a sinfonia entra na sala, os músicos sentam-se junto à lareira, e um muro
de pedra desata em lágrimas,
Aldrabão…!
Serei piolho, porque não,
tão espertinho, e tão aldrabão, a cidade em chamas, as mulheres desta cidade,
em lágrimas, que não chegam para apagar as chamas desta cidade.
Serei um livro. Um livro
de poesia.
Serei casa, com muitas
janelas, com muitas crianças, com muitos… barcos
De brincar
E alegria
Serei pó, serei
sem-abrigo, serei canção,
Melodia
Sem amigo.
Serei uma pedra, uma
laje, serei um telhado preparado para o vento,
Serei
Equação,
Número primo,
Serei pedra,
Serei menino…
Serei alimento.
Serei tudo o que tu
quiseres, meu amor, fascista é que não.
27/11/2023
A tua pele é feita de
lâminas de luz,
A tua pele é poesia, é
canção-melodia, a tua pele é a sílaba perdida da canção-melodia.
A tua pele é a paisagem longínqua
das noites de Luanda, é o cheiro a terra queimada e
Não reclamada,
A tua pele é o caderno
secreto do poeta,
Do poeta que escreve na
tua pele,
Que é feita de lâminas de
luz.
A tua pele aquece-me como
me aquece esta lareira, que nunca tem sono, que não tem sonhos, e que come os sonhos,
De escrever na tua pele.
A tua pele é pauta
musical, é tela suspensa numa parede invisível, numa parede sofrida, sem janela
para o mar.
A tua pele é o luar,
A tua pele são as
estrelas da noite
E que nunca dormem,
E que até parecem imortais.
A tua pele é perfumada,
veste-se a rigor, sai à rua e vai às compras, a tua pele finge, finge que não me
vê, finge que não sabe ler, de ler as palavras que escrevo nela.
A tua pele é silêncio, é
equação sem solução, a tua pele
(sei lá eu, sei lá eu)
De que é feita a tua pele
além de lâminas de luz,
E de pétalas em sorriso.
27/11/2023
O que interessam os
sonhos, quando não passam de pedacinhos de papel e ardem na lareira,
O que são os sonhos?
Tive-os, e não realizei
nenhum; se eu quiser ser imortal basta-me sonhar que sou mortal, e serei imortal.
Sonhos!
Desvairos e manias,
projectos e mais projectos, que nunca saem do papel.
Sonhos, pedaços de papel
que ardem nesta lareira, pedaços de papel que fui coleccionando ao longo dos
anos, e tal como o manuscrito de Gogol, “Almas mortas”, também os
Meus sonhos ardem na
lareira.
Sonhos!
Pigmentos de luz no meu
olhar, o cansaço de estar vivo não querendo morrer, escrever parvoíces numa
folha em papel, depois,
A lareira dos sonhos tudo
consome,
Parece um drogado a comer
heroína,
E a vomitar
Os sonhos.
Sonhos!
Quando caminho junto à
ladeira, quando puxo de um cigarro, quando acendo o cigarro, quando a lareira
Come-te todos os sonhos,
Come-te a carne, come-te
os ossos,
E ficas pobre
Ficas prisioneiro de uma
nuvem,
E ficas suspenso em ti,
E ficas perdido em mim,
A noite, quando me traz
os teus olhos…
E a vomitar
Sonhos.
27/11/2023
Flor em teu cabelo, do teu loiro cabelo
adormecido, paisagem que me abraça quando a desgraça,
Me invade,
Flor em teu cabelo, do teu cabelo loiro
flor,
Nas minhas mãos indefinidas,
Na promessa de um beijo,
Na flor do teu cabelo.
27/11/2023
Visita-me o dragão da
noite e traz com ele os teus olhos,
São dois pedaços de fogo,
horário em rotação quando dentro deste cubo de vidro, onde habito, acordam os
teus lábios,
Dou-te beijos,
E desenho palavras no teu
cabelo.
Às vezes, odeio o dragão
da noite.
Às vezes, amo o dragão da
noite, como te amo, serpente da manhã. É tão triste, saber que no meu jardim há
falsas flores, com falsas cores,
Às vezes, peço ao dragão
da noite que me traga também o silêncio e as espadadas do general, espetava-as
no peito,
E voava para os teus
braços.
Habito nesta vida de engano,
de tristeza, onde durante a noite recebo a visita do dragão, onde durante a
noite, sentado numa cadeira, olho o relógio que alguém que já cá não está
esqueceu na parede da sala,
E deixo de contar as
horas;
Apenas os teus olhos são
estrelas.
Visita-me o dragão da
noite e, com ele, vêm as canforas ribeiras do outro lado da rua, uma menina
espera o autocarro, tem saia azul e camisa com falsas flores, aperta o cabelo
com um fino fio de silêncio, e parece feliz, e atá parece que tem os teus olhos
no rosto…
Da cor do fogo, meu amor!
27/11/2023