terça-feira, 21 de novembro de 2023

Lareira

 

O fogo, os teus olhos ardem,

Os teus olhos de mar ardem na lareira do silêncio, os teus olhos de mar, fogem desta lareira desassossegada, o fogo, as árvores mergulham na planície dos teus lábios, e morrem as acácias.

O fogo dos teus olhos, a canção que oiço quando acorda a manhã, abraço-me e finjo ser um pedacinho de nada.

 

O fogo, os teus olhos ardem, as tuas mãos poisam no meu rosto e sinto o regresso da Primavera, e sinto o perfume das flores, e sinto a alegria dos pássaros,

Selvagem destino, mísero poema que escrevo, o fogo

Dos teus olhos quando a lua brinca sobre o mar, quando a lua se veste de mar, e os teus olhos ardem,

Ardem na simplicidade do dia.

 

Dos teus olhos, madrugada da minha insónia, o fogo dos teus olhos, em fuga, em direcção aos meus olhos,

Que também eles, ardem juntamente com os teus,

Ardem nesta lareira sem nome,

Nesta lareira envergonhada.

 

 

21/11/2023

segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Lágrima da manhã

 

Morro de ti.

Morro em ti à náusea da manhã, morro de ti, depois do pequeno-almoço, morro de ti,

Quando o perfume do teu cabelo poisa na minha mão.

 

Morro em ti, manhã envenenada, morro em ti, chama ardente desta lareira desanimada,

E triste, e cansada,

Morro de ti, flor que se despede do seu jardineiro,

De ti eu morro,

Em ti, eu morrerei acreditando nas acácias da minha infância,

Morro em ti, clareira da madrugada, enxada que me persegue, antes de cair a noite, morro em ti e de ti morrerei antes da meia-noite.

 

Morro por ti.

Em ti eu morrerei,

Morrer por ti…

 

Morro por ti.

Morro em ti silêncio do infinito, decima quinta potencia do olhar, entre quatro paredes de mar,

Morro de ti, em ti eu morro e morrerei, acreditando nos sonhos,

Morro de ti, acreditando nas sombras do amanhã.

Morro de ti,

Morro de ti jangada do meu olhar, atormentada maré, morro em ti, rochedo da insónia, deste menino,

Sem fé.

 

Morro de ti, mão canfora da tarde, ribeira entre parêntesis, morro de ti e em ti, de morrer junto ao mar, de pedir uma salva de palmas, um lanche e um cigarro, em ti, quando o sol se torna frio e quando o teu olhar se veste de sol…

Morro de ti, em ti, lágrima da manhã, de ter morrido antes de acordar a lua, depois de partir a insónia, e morrer…

Em ti.

Morro de ti,

Sentir os teus lábios no poema, perceber que cada palavra, é um beijo teu, de mim que morre,

Em ti e de ti,

Partir.

Ficar.

 

 

20/11/2023

Tristeza

 Não sei porque choram as tuas mãos,

Não sei porque choram, os teus lábios,

Não sei porque choram os teus olhos,

Não sei,

Não sei porque chora o teu cabelo…,

Mas eu sei,

Porque choram as minhas mãos!

 

 

20/11/2023

domingo, 19 de novembro de 2023

Todas as Palavras, Poema de Francisco Luís Fontinha

 


Não sei o que te escrever, Meu amor,

 



Esperança

 Porquê.

Devo estar louco e, se o estou, quero-o sentir no rosto como se fosse a brisa que traz as acácias da minha infância,

Se o estou, leva-me a ver o mar,

Leva-me…, contigo, leva-me a ver os barcos,

E todo o seu encanto.

 

Devo estar louco para ficar à janela do sótão a olhar os carros, carros num sentido, carros no outro sentido, viagens programadas, viagens sem destino, devo estar louco para ficar minutos a contar o número de carros que passam…

Porquê?

Se os carros não significam nada para mim.

Devo estar louco, porque penso, penso muito.

Devo estar louco para escrever estas coisas, coisas que ninguém lê, coisas que ninguém percebe, que ninguém gosta

 

Coisas.

Porquê?

Devo estar louco quando me sento nesta cadeira, fumo, fumo muito, e penso, penso muito.

Devo estar louco quando desenho o teu rosto no orvalho da manhã,

Quando a manhã é uma lâmina de sono em busca da planície perdida,

Devo estar louco, quando me ergo pela madrugada e, escrevo, e desenho, como se o dia fosse um corredor escuro, sem portas, sem janelas,

Para o mar.

 

Devo estar louco, quando digo que não acredito em nada, e às vezes, pareço acreditar em tudo,

Porquê?

Se estiver louco, devo estar louco quando vou à varanda e no meio da neblina, fumo compulsivamente,

E penso, penso muito

Que possa, por alguns segundos, estar louco.

Devo estar louco quando me esqueço que tenho um livro na mão e fico, fico eternamente imóvel como se fosse uma estátua em aço,

Ou uma criança mimada,

Que de todo,

Loucas não o são,

Como poderia uma estátua estar louca,

Ou uma criança mimada?

Porquê?

 

Posso estar louco sem o saber, ou escondo que o estou, disfarço-me de menino, e nenhum menino é louco,

Porquê?

Disfarço-me de menino, visto os calções…, e vou,

À procura do mar.

Devo estar louco quando me sinto completamente apaixonado por pássaros,

De muitas cores,

E cantam tão bem,

E são tão felizes, os pássaros.

Porque voam.

Devo estar louco quando sonho que na montanha há uma casa, que na casa que está na montanha, há uma flor de púrpura adormecida, e essa flor, e essa flor chama-me esperança,

Devo estar louco, quando acredito, devo estar louco, quando escrevo no meu caderno os meus pensamentos, de louco,

Que o possa estar, percebo, percebo que amanhã

 

Devo estar louco.

Devo estar louco quando peço ao sol um desejo, e à lua,

Perdão.

 

Devo estar louco por ter roubado a madrugada e, tê-la só para mim; eu, o egoísta cá do sítio.

Devo estar louco porque gosto do silêncio, gosto de flores, gosto de ouvir poesia…

Porquê?

Devo estar louco e, se o estou, quero-o sentir no rosto como se fosse a brisa que traz as acácias da minha infância,

Se o estou, leva-me a ver o mar,

Leva-me…, contigo, leva-me a ver os barcos,

Leva-me a ver todas as estrelas do céu, devo estar louco, e se o estou, leva-me aos teus braços, porque este louco,

Ama.

Devo estar louco, devo estar louco porque estando louco, só posso estar louco…

Quando acredito no infinito;

E que os teus olhos são o espelho da madrugada,

Porquê?

 

 

19/11/2023

sábado, 18 de novembro de 2023

Todas as palavras

 Roubava os pássaros do paraíso para te os oferecer, dava-te o mar, se eu pudesse, roubava o sol e a lua,

E todas as palavras que a lua inspirou.

 

Roubava a Primavera, para adocicar os teus lábios de mel, roubava as cores do Outono para pincelar os teus lindos e doces olhos de mar.

Roubava a noite, para que nunca tivesses insónias, enquanto pensas em mim,

Roubava o silêncio e vestia-o de beijos, roubava a madrugada, e vestia-a de margaridas, do meu jardim de papel,

Roubava os pássaros do paraíso, todos, para te os oferecer, quando da montanha uma sombra se ergue, levanta as mãos para Deus, e suplica…

Estou aqui, aqui junto a ti.

 

Roubava o teu sono, roubava os teus sonhos, falando em sonhos, meu amor,

De que cor são os teus sonhos?

Como se vestem os teus sonhos, meu amor?

Se eu pudesse, roubava a manhã, o livro de poesia que deixaram numa qualquer esplanada, e roubava os versos desse livro de poesia, e oferecia-tos, todos, todos teus, meu amor.

Roubava a tarde junto ao mar. Roubava o bronzear da tarde para escrever nos teus lábios

Amo-te,

Roubava a saudade, roubava a infância, roubava o Mussulo nas suas manhãs de Domingo, quando eu, quando eu ainda acreditava nos barcos,

Falando em barcos, meu amor, roubava todos os barcos e oferecia-tos, todos, todos eles,

- que parvalhão,

E pergunto-me meu amor, e pergunto-me o que farias tu com tantos barcos, se eu, se eu, o menino dos barcos já cá não estiver…

 

Roubava os pássaros do paraíso para te os oferecer, dava-te o mar, se eu pudesse, roubava o sol e a lua,

E todas as palavras que a lua inspirou.

Roubava a primeira lágrima da manhã, e oferecia-ta, toda tua, meu amor

Se a noite me trouxer, se da noite eu receber os teus dedos, se na noite eu conseguisse beijar os teus dedos, em flor,

Deste meu jardim de papel.

 

Se eu pudesse, se eu pudesse roubava todas as armas e acabava com todas as guerras, meu amor, se eu pudesse,

Crescer no meio da galáxia, no centro do quadrado, quando um pequeno círculo se aproxima, e ele, esconde-se

De ti

E nenhuma criança tinha fome e nenhuma criança morria de frio e de dor, meu amor,

Roubava a tempestade, meu amor, e oferecia-ta, mas antes, domesticava-a, ensinava-lhe a fazer versos, ensinava-lhe a ler-te versos,

Se eu pudesse roubava a tranquilidade da noite, junto à lareira e, abraçava-te, beijava o teu pescoço…

E ficava entretido com o teu cabelo,

Amanhã,

Junto ao mar,

Roubava-te o sono.

 

 

 

18/11/2023