domingo, 19 de novembro de 2023

Esperança

 Porquê.

Devo estar louco e, se o estou, quero-o sentir no rosto como se fosse a brisa que traz as acácias da minha infância,

Se o estou, leva-me a ver o mar,

Leva-me…, contigo, leva-me a ver os barcos,

E todo o seu encanto.

 

Devo estar louco para ficar à janela do sótão a olhar os carros, carros num sentido, carros no outro sentido, viagens programadas, viagens sem destino, devo estar louco para ficar minutos a contar o número de carros que passam…

Porquê?

Se os carros não significam nada para mim.

Devo estar louco, porque penso, penso muito.

Devo estar louco para escrever estas coisas, coisas que ninguém lê, coisas que ninguém percebe, que ninguém gosta

 

Coisas.

Porquê?

Devo estar louco quando me sento nesta cadeira, fumo, fumo muito, e penso, penso muito.

Devo estar louco quando desenho o teu rosto no orvalho da manhã,

Quando a manhã é uma lâmina de sono em busca da planície perdida,

Devo estar louco, quando me ergo pela madrugada e, escrevo, e desenho, como se o dia fosse um corredor escuro, sem portas, sem janelas,

Para o mar.

 

Devo estar louco, quando digo que não acredito em nada, e às vezes, pareço acreditar em tudo,

Porquê?

Se estiver louco, devo estar louco quando vou à varanda e no meio da neblina, fumo compulsivamente,

E penso, penso muito

Que possa, por alguns segundos, estar louco.

Devo estar louco quando me esqueço que tenho um livro na mão e fico, fico eternamente imóvel como se fosse uma estátua em aço,

Ou uma criança mimada,

Que de todo,

Loucas não o são,

Como poderia uma estátua estar louca,

Ou uma criança mimada?

Porquê?

 

Posso estar louco sem o saber, ou escondo que o estou, disfarço-me de menino, e nenhum menino é louco,

Porquê?

Disfarço-me de menino, visto os calções…, e vou,

À procura do mar.

Devo estar louco quando me sinto completamente apaixonado por pássaros,

De muitas cores,

E cantam tão bem,

E são tão felizes, os pássaros.

Porque voam.

Devo estar louco quando sonho que na montanha há uma casa, que na casa que está na montanha, há uma flor de púrpura adormecida, e essa flor, e essa flor chama-me esperança,

Devo estar louco, quando acredito, devo estar louco, quando escrevo no meu caderno os meus pensamentos, de louco,

Que o possa estar, percebo, percebo que amanhã

 

Devo estar louco.

Devo estar louco quando peço ao sol um desejo, e à lua,

Perdão.

 

Devo estar louco por ter roubado a madrugada e, tê-la só para mim; eu, o egoísta cá do sítio.

Devo estar louco porque gosto do silêncio, gosto de flores, gosto de ouvir poesia…

Porquê?

Devo estar louco e, se o estou, quero-o sentir no rosto como se fosse a brisa que traz as acácias da minha infância,

Se o estou, leva-me a ver o mar,

Leva-me…, contigo, leva-me a ver os barcos,

Leva-me a ver todas as estrelas do céu, devo estar louco, e se o estou, leva-me aos teus braços, porque este louco,

Ama.

Devo estar louco, devo estar louco porque estando louco, só posso estar louco…

Quando acredito no infinito;

E que os teus olhos são o espelho da madrugada,

Porquê?

 

 

19/11/2023

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