Porquê.
Devo estar louco e, se o
estou, quero-o sentir no rosto como se fosse a brisa que traz as acácias da
minha infância,
Se o estou, leva-me a ver
o mar,
Leva-me…, contigo,
leva-me a ver os barcos,
E todo o seu encanto.
Devo estar louco para ficar
à janela do sótão a olhar os carros, carros num sentido, carros no outro
sentido, viagens programadas, viagens sem destino, devo estar louco para ficar
minutos a contar o número de carros que passam…
Porquê?
Se os carros não significam
nada para mim.
Devo estar louco, porque
penso, penso muito.
Devo estar louco para
escrever estas coisas, coisas que ninguém lê, coisas que ninguém percebe, que
ninguém gosta
Coisas.
Porquê?
Devo estar louco quando
me sento nesta cadeira, fumo, fumo muito, e penso, penso muito.
Devo estar louco quando
desenho o teu rosto no orvalho da manhã,
Quando a manhã é uma
lâmina de sono em busca da planície perdida,
Devo estar louco, quando
me ergo pela madrugada e, escrevo, e desenho, como se o dia fosse um corredor
escuro, sem portas, sem janelas,
Para o mar.
Devo estar louco, quando
digo que não acredito em nada, e às vezes, pareço acreditar em tudo,
Porquê?
Se estiver louco, devo
estar louco quando vou à varanda e no meio da neblina, fumo compulsivamente,
E penso, penso muito
Que possa, por alguns segundos,
estar louco.
Devo estar louco quando
me esqueço que tenho um livro na mão e fico, fico eternamente imóvel como se
fosse uma estátua em aço,
Ou uma criança mimada,
Que de todo,
Loucas não o são,
Como poderia uma estátua
estar louca,
Ou uma criança mimada?
Porquê?
Posso estar louco sem o
saber, ou escondo que o estou, disfarço-me de menino, e nenhum menino é louco,
Porquê?
Disfarço-me de menino, visto
os calções…, e vou,
À procura do mar.
Devo estar louco quando me
sinto completamente apaixonado por pássaros,
De muitas cores,
E cantam tão bem,
E são tão felizes, os
pássaros.
Porque voam.
Devo estar louco quando
sonho que na montanha há uma casa, que na casa que está na montanha, há uma
flor de púrpura adormecida, e essa flor, e essa flor chama-me esperança,
Devo estar louco, quando
acredito, devo estar louco, quando escrevo no meu caderno os meus pensamentos,
de louco,
Que o possa estar,
percebo, percebo que amanhã
Devo estar louco.
Devo estar louco quando
peço ao sol um desejo, e à lua,
Perdão.
Devo estar louco por ter
roubado a madrugada e, tê-la só para mim; eu, o egoísta cá do sítio.
Devo estar louco porque
gosto do silêncio, gosto de flores, gosto de ouvir poesia…
Porquê?
Devo estar louco e, se o
estou, quero-o sentir no rosto como se fosse a brisa que traz as acácias da
minha infância,
Se o estou, leva-me a ver
o mar,
Leva-me…, contigo,
leva-me a ver os barcos,
Leva-me a ver todas as
estrelas do céu, devo estar louco, e se o estou, leva-me aos teus braços,
porque este louco,
Ama.
Devo estar louco, devo
estar louco porque estando louco, só posso estar louco…
Quando acredito no
infinito;
E que os teus olhos são o
espelho da madrugada,
Porquê?
19/11/2023