domingo, 19 de novembro de 2023

Todas as Palavras, Poema de Francisco Luís Fontinha

 


Não sei o que te escrever, Meu amor,

 



Esperança

 Porquê.

Devo estar louco e, se o estou, quero-o sentir no rosto como se fosse a brisa que traz as acácias da minha infância,

Se o estou, leva-me a ver o mar,

Leva-me…, contigo, leva-me a ver os barcos,

E todo o seu encanto.

 

Devo estar louco para ficar à janela do sótão a olhar os carros, carros num sentido, carros no outro sentido, viagens programadas, viagens sem destino, devo estar louco para ficar minutos a contar o número de carros que passam…

Porquê?

Se os carros não significam nada para mim.

Devo estar louco, porque penso, penso muito.

Devo estar louco para escrever estas coisas, coisas que ninguém lê, coisas que ninguém percebe, que ninguém gosta

 

Coisas.

Porquê?

Devo estar louco quando me sento nesta cadeira, fumo, fumo muito, e penso, penso muito.

Devo estar louco quando desenho o teu rosto no orvalho da manhã,

Quando a manhã é uma lâmina de sono em busca da planície perdida,

Devo estar louco, quando me ergo pela madrugada e, escrevo, e desenho, como se o dia fosse um corredor escuro, sem portas, sem janelas,

Para o mar.

 

Devo estar louco, quando digo que não acredito em nada, e às vezes, pareço acreditar em tudo,

Porquê?

Se estiver louco, devo estar louco quando vou à varanda e no meio da neblina, fumo compulsivamente,

E penso, penso muito

Que possa, por alguns segundos, estar louco.

Devo estar louco quando me esqueço que tenho um livro na mão e fico, fico eternamente imóvel como se fosse uma estátua em aço,

Ou uma criança mimada,

Que de todo,

Loucas não o são,

Como poderia uma estátua estar louca,

Ou uma criança mimada?

Porquê?

 

Posso estar louco sem o saber, ou escondo que o estou, disfarço-me de menino, e nenhum menino é louco,

Porquê?

Disfarço-me de menino, visto os calções…, e vou,

À procura do mar.

Devo estar louco quando me sinto completamente apaixonado por pássaros,

De muitas cores,

E cantam tão bem,

E são tão felizes, os pássaros.

Porque voam.

Devo estar louco quando sonho que na montanha há uma casa, que na casa que está na montanha, há uma flor de púrpura adormecida, e essa flor, e essa flor chama-me esperança,

Devo estar louco, quando acredito, devo estar louco, quando escrevo no meu caderno os meus pensamentos, de louco,

Que o possa estar, percebo, percebo que amanhã

 

Devo estar louco.

Devo estar louco quando peço ao sol um desejo, e à lua,

Perdão.

 

Devo estar louco por ter roubado a madrugada e, tê-la só para mim; eu, o egoísta cá do sítio.

Devo estar louco porque gosto do silêncio, gosto de flores, gosto de ouvir poesia…

Porquê?

Devo estar louco e, se o estou, quero-o sentir no rosto como se fosse a brisa que traz as acácias da minha infância,

Se o estou, leva-me a ver o mar,

Leva-me…, contigo, leva-me a ver os barcos,

Leva-me a ver todas as estrelas do céu, devo estar louco, e se o estou, leva-me aos teus braços, porque este louco,

Ama.

Devo estar louco, devo estar louco porque estando louco, só posso estar louco…

Quando acredito no infinito;

E que os teus olhos são o espelho da madrugada,

Porquê?

 

 

19/11/2023

sábado, 18 de novembro de 2023

Todas as palavras

 Roubava os pássaros do paraíso para te os oferecer, dava-te o mar, se eu pudesse, roubava o sol e a lua,

E todas as palavras que a lua inspirou.

 

Roubava a Primavera, para adocicar os teus lábios de mel, roubava as cores do Outono para pincelar os teus lindos e doces olhos de mar.

Roubava a noite, para que nunca tivesses insónias, enquanto pensas em mim,

Roubava o silêncio e vestia-o de beijos, roubava a madrugada, e vestia-a de margaridas, do meu jardim de papel,

Roubava os pássaros do paraíso, todos, para te os oferecer, quando da montanha uma sombra se ergue, levanta as mãos para Deus, e suplica…

Estou aqui, aqui junto a ti.

 

Roubava o teu sono, roubava os teus sonhos, falando em sonhos, meu amor,

De que cor são os teus sonhos?

Como se vestem os teus sonhos, meu amor?

Se eu pudesse, roubava a manhã, o livro de poesia que deixaram numa qualquer esplanada, e roubava os versos desse livro de poesia, e oferecia-tos, todos, todos teus, meu amor.

Roubava a tarde junto ao mar. Roubava o bronzear da tarde para escrever nos teus lábios

Amo-te,

Roubava a saudade, roubava a infância, roubava o Mussulo nas suas manhãs de Domingo, quando eu, quando eu ainda acreditava nos barcos,

Falando em barcos, meu amor, roubava todos os barcos e oferecia-tos, todos, todos eles,

- que parvalhão,

E pergunto-me meu amor, e pergunto-me o que farias tu com tantos barcos, se eu, se eu, o menino dos barcos já cá não estiver…

 

Roubava os pássaros do paraíso para te os oferecer, dava-te o mar, se eu pudesse, roubava o sol e a lua,

E todas as palavras que a lua inspirou.

Roubava a primeira lágrima da manhã, e oferecia-ta, toda tua, meu amor

Se a noite me trouxer, se da noite eu receber os teus dedos, se na noite eu conseguisse beijar os teus dedos, em flor,

Deste meu jardim de papel.

 

Se eu pudesse, se eu pudesse roubava todas as armas e acabava com todas as guerras, meu amor, se eu pudesse,

Crescer no meio da galáxia, no centro do quadrado, quando um pequeno círculo se aproxima, e ele, esconde-se

De ti

E nenhuma criança tinha fome e nenhuma criança morria de frio e de dor, meu amor,

Roubava a tempestade, meu amor, e oferecia-ta, mas antes, domesticava-a, ensinava-lhe a fazer versos, ensinava-lhe a ler-te versos,

Se eu pudesse roubava a tranquilidade da noite, junto à lareira e, abraçava-te, beijava o teu pescoço…

E ficava entretido com o teu cabelo,

Amanhã,

Junto ao mar,

Roubava-te o sono.

 

 

 

18/11/2023

Revolto mar

 Percebo que o mar que tenho dentro de mim

Está revolto, percebo que este mar, desde muitos anos, está cansado, do meu corpo,

Percebo que este mar, que transporto desde criança, um dia,

Um dia terá de morrer.

 

Um dia, quando os meus poemas forem os teus lábios em gramas de sorriso,

Percebo que este mar, este mar que é meu, agora, percebo

Que um dia, vai morrer.

Ficarei com a maré, ficarei com os barcos deste mar,

E um dia,

E um dia terá de morrer.

 

Percebo, meu amor, percebo que o mar que tenho dentro de mim

Está só, percebo, que este mar, que este mar não pertence ao meu corpo,

Cálice com veneno, que ao peque-almoço te dou, com as mágoas dos meus poemas.

Um dia, um dia, meu amor, um dia hei-de matar este mar,

Um dia hei-de assassinar este mar,

Este mar que não é o meu mar…

O meu mar, meu amor, o meu mar era salgado, este,

Este é doce, e meigo.

 

E desajeitado

 

 

18/11/2023

Não sei o que te escrever, Meu amor,

Não sei o que te escrever, não sei que palavras escolher para te enviar, quando desejo pegar na tua mão e ficar escondido do Sol a ver passear o mar.

Não sei porque estou aqui, meu amor.

Não o sei,

Sentado. Não sei o que te escrever, e até desconfio que não sei escrever, que não tenho palavras suficientes para te enviar,

Quando a lua vestida de oiro, quando a lua cortada em quatro pedacinhos, é apenas uma imagem de ti, e dos teus lábios, quando o sorriso desperta no teu rosto de amêndoa.

Não sei porque sou eu, quando devia ser outro a escrever-te, mas Deus incumbiu-me

De te escrever,

E serei eu, e serei eu apenas aquele que te escreve,

Mas sei o que te enviar,

Não sei o que te escrever, meu amor, quando o mar que vejo passear me parece uma laranja cortada em quatro pedacinhos.

De coisa alguma.

De coisa de nada.

 

Não sei o que te escrever, meu amor, não sei que palavras inventar para descrever a tua beleza, de Galáxia adormecida ou de nave espacial.

E todos os planetas do sistema solar vêm em nosso auxilio, vêm a nós e com eles as prometidas palavras, que eu não tenho, para te escrever,

As tuas mãos, meu amor, se as tuas mãos escrevessem no meu rosto cartas de amor,

Palavras proibidas, simples palavras, palavras minhas, que eu não tenho, meu amor,

Peço-te perdão por não ter palavras para te enviar…

Quando daqui a pouco é dia, quando daqui a pouco acorda a primeira lágrima da manhã, no teu rosto, o incêndio, o desejo,

Não tenho palavras para te escrever,

Nem sei o que te escrever.

 

Não sei o que te escrever, e, no entanto, sinto-me leve, solto de amarras e liberto de todo o sistema solar, o ausente, quele que não tem palavras, para te enviar, meu amor.

Às vezes pareço uma estátua, de velho granito, de frio, no silêncio da noite, quando pego na tua mão invisível, e coloco-a no meu peito, depois…

Ficamos lá, sós.

 

Não sei o que te escrever, não sei. E tantas palavras que eu tinha para te enviar, tantas, tantas,

Agora,

Não.

Não tenho palavras para te enviar. Deixei de ver o sol e de ver o mar a passear, deixei de ouvir música e comecei a ouvir poesia,

Se ao menos, meu amor, se ao menos gostasses de poesia,

Ficavas nos meus braços a ouvir Herberto Helder, mas tu detestas poesia, e adoras os meus braços,

Que hei-de eu escrever-te, quando a noite treme de frio, quando no silêncio de uma casa, nasce uma criança,

Não sei meu amor,

Não sei o que te escrever, hoje, sábado de madrugada,

No silêncio das tuas mãos, as palavras, não sei o que te escrever,

Meu amor,

Quando vejo passear o mar.

 

 

 

18/11/2023

sexta-feira, 17 de novembro de 2023

Cidade

 Não sei o nome desta cidade.

Estou perdido nesta cidade de embustes,

De ruas e ruelas,

De sombras e de esconderijos,

Não sei o nome desta cidade,

 

Deste poiso nesta réstia de cidade…

Onde caminho à procura do mar,

Não sei o nome,

O meu nome entre as paredes desta cidade,

Desta cidade de sonâmbulos,

 

Sem nome,

Todos,

Os nomes desta cidade,

Que engole o fogo,

Não sei o nome,

 

O nome desta cidade,

Nesta cidade abraçada ao rio.

E procuro nesta cidade

Os pássaros que fugiram do meu jardim,

De uma outra cidade,

 

Não sei o nome desta cidade.

Estou perdido nesta cidade de esqueletos marinhos,

De barcos em banho-maria,

Nesta cidade perdida,

Sem nome esta cidade.

 

 

17/11/2023