quarta-feira, 15 de novembro de 2023

Cubículo

 Escondo-me neste cubículo

E desenho no sombreado das paredes

O som do silêncio.

Puxo de um cigarro.

Escondo-o nos lábios e penso…

 

Penso nos teus olhos enquanto dormem

E sonham com os meus olhos,

Escondo-me neste cubículo

E escrevo no teu corpo

O silêncio das minhas mãos.

 

Escondo-me neste cubículo.

Fumo.

Penso.

Escondo-me neste cubículo

E sonho com os teus lábios sonolentos com sabor a mel…

 

Tenho medo, mãe.

Tenho medo do sonho

E do sono

E da insónia,

Tenho medo, mãe, tenho tanto medo do silêncio

E das mãos do silêncio quando tocam o meu rosto,

 

E este cubículo indiferente a ti e a mim,

Olho-te e pareço um tolo que acredita nos teus olhos,

Quando tu, (tenho tanto medo, mãe), quando tu estás morta e não tens olhos,

Quando eu, estou vivo,

E tal como tu, também não tenho olhos,

Não tenho mãos para escrever,

Não tenho mãos para desenhar,

Não tenho olhos, mãe…

 

Não tenho olhos para te olhar.

 

Este cubículo esconde-me,

Este cubículo é o meu esconderijo,

O nosso, mãe,

Quando os teus papagaios desapareciam no céu,

Tão triste, mãe,

Eu não ter olhos e não conseguir ver os teus olhos…

Eu não ter mãos e não poder escrever-te,

Eu não ter mãos e não poder desenhar-te…

E ver os teus olhos,

Mãe.

E ver os teus olhos nos olhos do mar.

 

 

09-15/11/2023

Infância

 Sentado nesta cadeira cinzenta

Penso na minha infância…

Recordo os finais de tarde

Suspenso no portão

À espera do meu avô e do meu pai,

Penso sentado nesta cadeira cinzenta

Recordo os barcos

Recordo o mar

E os filhos dos barcos,

Recordo os meninos que brincavam comigo

Recordo os meninos que me ensinaram a voar…

Que me ensinaram a olhar a paisagem,

 

Sentado nesta cadeira cinzenta

Penso na minha infância…

Recordo os papagaios em papel colorido

Que a minha mãe construía,

Sentado nesta cadeira cinzenta

Penso e recordo,

Vejo a minha mãe a brincar às escondidas comigo,

Penso e recordo,

Vejo o meu pai a olhar as acácias…

Depois,

Dizia-me que um dia eu ia entender…

Hoje penso e sentado nesta cadeira cinzenta…

Que nunca entendi.

 

 

08/11/2023

O teu nome

 Um rio com o teu nome

Um rio que se esconde

Na curvilínea montanha

Um rio infinito

Que ninguém o apanha

Que corre faminto

Com o teu nome

Este rio que nunca se cansa

Este rio em labirinto

E que sobre ti lança

A prometida herança

Um rio com o teu nome

Com o teu nome meu amor

Um rio de esperança

E que consome

As pétalas dos teus lábios em flor.

 

15/11/2023

terça-feira, 14 de novembro de 2023

O poema da saudade

 Este barco não consegue parar,

Pelas dezasseis horas e trinta minutos, junto à ponte, o corpo dela mergulhava numa poça de sangue do tamanho de uma moeda, ao longe, o apito do comboio a anunciar a vinda da outra margem, baixo-me, pego-lhe na mão e dou-me conta que ainda tinha pulso, e percebo que lentamente, ela ainda respirava,

Pedi ajuda.

Gritava enquanto ligava para o 112, atenderam-me e depois de muitas perguntas, a maior parte delas, eu não sabia responder,

Oiço um forte suspiro mais parecendo um sismo, e deixo de ouvir, deixo de ouvir os barcos, o comboio, deixei de ouvir a minha própria respiração, depois,

Ela morreu.

Este barco não consegue parar, o comandante, homem de meia-idade, com aproximadamente um metro e oitenta centímetros de altura, percorria o convés, de um lado para o outro, fumava cachimbo e trazia na mão uma pequena folha em papel.

O vento trazia-nos a noite e dela absorvíamos as tristes palavras do luar, ela assobiava, ele, de mãos nos bolsos e de passo apressado para enganar a escuridão, ao passar junto ao bar de oficiais, uma sombra desfere-lhe um murro no estômago,

Seu cabrão, só as putas é que andam com as mãos nos bolsos…

Percebi que tinha chegado ao Inferno.

Ela morreu.

Deixa meia-dúzia de pertences e um filho que mantinha escondido num quinto andar de um quarto de pensão, o puto, de seu nome Alfredo, quando começou a desenhar-se na sua mão a noite e vestido de solidão, chorava e gritava pela mãe,

A mãe, de engate em engate, procurava a última côdea de pão que só a noite lhe conseguia dar,

Que tens, Alfredo?

O puto, ouvindo a voz da dona da pensão, calou-se e começou a desenhar nas paredes bolorentas e de gesso do quarto de pensão, as lágrimas do silêncio, e no pavimento,

Desenhou a saudade.

Este barco não consegue parar, trago na mão o poema da saudade, e aproveitando a pausa para encher o cachimbo, dou-me conta que uma criança brinca no convés com um boneco,

Como se chama, ele?

Chapelhudo.

Chama-se chapelhudo.

 

 

14/11/2023

Escrivão

 Escrevo nos teus olhos de mar,

Amo-te,

Escrevo nos teus lábios de mel,

Desejo-te,

Desenho no teu corpo de amêndoa,

O beijo,

 

Escrevo nos teus olhos em silêncio

A melancolia do dia,

A esperança da manhã,

Escrevo nos teus olhos de luar

A primeira lágrima da manhã,

 

Escrevo nos teus olhos de mar,

Amo-te,

Escrevo nos teus lábios de mel,

Desejo-te…

Desenho no teu corpo de amêndoa,

A paixão dos pássaros,

 

Enquanto a noite é só minha.

 

 

14/11/2023

Voz

 Noite em mim

Quando o corpo se despede,

Quando o corpo se esconde na insónia de um desejo,

Noite de mim

Quando regressa o cansaço da tua voz

E junto ao mar

Morre a minha mão

E levita sobre o rio o beijo.

 

Noite sem mim

No silêncio de me esconder

Debaixo das nuvens,

Quando a noite percebe

Que do outro lado da rua

Habita um sem-abrigo que me compreende,

Que a minha noite é apenas um pedaço de nada;

Quando a noite é apenas um desejo vil

E só...

E só o aconchego da tua voz me satisfaz.

 

 

14/11/2023