sexta-feira, 7 de abril de 2023

Três flores e um martelo e quatro pregos em aço

 Tudo é culpa minha, a chuva, é culpa minha, a tempestade… é culpa minha, as palavras que escrevo, são uma merda, culpa minha, as flores têm um odor a putrefacção, culpa minha, claro,

As vidraças da minha janela, partiram-se, e claro, culpa minha,

O silêncio, também é culpa minha,

E depois?

A morte, as pessoas de quem gostava e morreram, claro, foi por minha culpa.

A tristeza, é culpa minha, a fome, tantas crianças com fome, é culpa minha,

Olho as minhas mãos, percebo delas o quanto silêncio existe, percebo delas a míngua tristeza das sanzalas com telhados em zinco, e quando oiço os mabecos, entre uivos e pincelados corações de prata, eis que um alicerçado e cansado amanhecer se deita sobre mim…

E depois?

Tudo, tudo é por minha culpa.

As guerras, as guerras acontecem por culpa minha. A minha vizinha do terceiro esquerdo, coitada, suicidou-se juntamente com o gato, o Malaquias… e claro, foi por culpa minha.

E enquanto olho as minhas mãos, e enquanto olho o mar amaldiçoado, tal como eu, amaldiçoado, com aquele cheiro intenso a morte, percebo que tudo o que sonhei, não o sonhei, que tudo o que tive, não o tive, e que Deus é um estupor, impostor, um aldrabão diplomado e sem escrúpulos, um gajo…

Um gajo que nunca assume os erros, e claro, tudo, tudo é culpa minha.

E por minha culpa, por minha grande culpa, me despeço destas pedras onde brincam as ratazanas de Gunter Grass, onde poisa o coração de todos aqueles que deixaram de voar, claro, por minha e tão grande culpa minha; tens fome? Culpa minha. Não tens casa onde aportar os teus braços, claro, claro, é culpa minha.

E não te preocupes com o aspirador ou com a ventoinha ou com a porta do quintal… porque, claro, tudo é culpa minha.

 

 

 

Francisco

07/04/2023

Encarnado pincelados olhos de sonhar

 Vestes-te de encarnado

Para o meu enterro

E sabes, meu amor

Uma mulher vestida de encarnado

Tem outro encanto,

 

Tem outro alento.

Vestes-te de encarnado

Para te despedires dos meus olhos verdes

Das minhas mãos pinceladas de tristeza

Quando acorda a manhã,

 

E quero que o meu enterro

Seja discreto

Simples

Tão simples… como foi a minha vida…

Tão simples, meu amor…

 

Tão simples como são os meus olhos

Quando poisam neles as lágrimas de uma tela

Sem nome

Com nome…

Entre parêntesis,

 

Vestes-te de encarnado

Para o meu enterro

E sabes, meu amor

Quero que o meu enterro seja tão belo

Como de tão belo és tu, vestida de encarnado.

 

 

 

Francisco

07/04/2023

quinta-feira, 6 de abril de 2023

Caos

 Um cristal de tristeza

Procura-te nas manhãs submersas

Das manhãs ensonadas

Dos insectos

E das árvores abandonadas,

 

E se da tua mão

Um mísero silêncio de fogo

Abraçar o meu rosto

É porque sou um poema…

É porque sou a tristeza,

 

Sem nome

E de muito mau gosto

E depois desse cristal de tristeza

Outros cristais em tristeza

Perfuram todo o meu corpo; e todo o caos se mistura em nós.

 

 

 

Francisco

06/04/2023

A arte em defecar

 Da arte de defecar

Quando ao nascer do dia

A defecação é uma arte, é poema, é poesia…

É arte a arte em sintonia

Defecar

Abraçar

O cansado dia.

 

E tu me abraças na escuridão

E tu me repeles contra a parede das lamentações

A arte em defecar

Defecar com sabedoria

Em cada dia

O poema e a poesia

A solidão…

E aquela pedra, ali sentada, em pequenas convulsões.

 

De defecar

À arte de o fazer

Em cada dia

Defecar é uma aventura

É poesia

É ternura…

Defecar a arte de escrever

Sentado

Sem o saber

Que a arte em defecar

É literatura

É poema enraivecido…

Quando da arte em defecar

Defecar bem e com saúde matinal

E há sempre um poema perdido

Dentro da melancolia…

Em defecar em cada dia…

E depois… limpar o rabinho a um jornal.

 

 

 

Francisco

06/04/2023

Conversas

 Não sei, meu querido filho.

Não o sei, porque temos de habitar dentro de círculos, de quadrados, dentro de triângulos com janela para a tristeza, não, não o sei, meu filho

E se Deus trouxer o sono, pai?

Não. Não acredito, meu filho, não acredito que Deus nos traga alguma coisa, porque Deus, meu filho, porque o Deus da tua avó nunca, nunca meu filho, nunca nos trouxe nada… ia agora trazer… o sono!

Pai?

Sim, filho…!

E se o Deus da tua mãe, e se Deus da minha avó… for uma complexa equação matemática… e… e não passar disso, de uma equação matemática?

Sim, filho, é possível que esse Deus seja uma complexa equação matemática e quem a resolver tem todas as respostas.

Todas, pai?

Quase todas, quase todas… meu filho.

Quase todas…

 

 

 

Francisco

06/04/2023

Parêntesis recto

 Um pouco

Um pouco de quase nada

Quando o nada é pouco

E do pouco que se tem

O nada

É tudo.

 

 

Francisco

06/04/2023

A tristeza do meu jardim

 Porque morrem

Meu amor

Porque morrem todos os pássaros do meu jardim,

Meu amor,

Porque ficam doentes

Meu amor

Todas as flores do meu jardim,

E sim, meu amor…

Porque chove intensamente no meu jardim…

Quando da janela

Olho a rua

E está um sol tão lindo,

Meu amor;

Um sol tão lindo!

 

 

 

Francisco

06/04/2023