O comandante deste navio está bêbado. Completamente, bêbado. Mas pensando bem, para que quer este navio,
Um comandante,
Bêbado?
Este navio não precisa de
comandante. Este navio sempre navegou em piloto automático, depois das seis
Na Ribadouro, sobre a
mesa um livro de poemas, um cigarro dispersa-se no quase fim de tarde, oiço-a
sonolenta como o vento, e linda como a madrugada.
O povo pensa que sou
louco, o povo pensa…
Penso em tanta coisa,
como o senhor Álvaro de Campos no poema
A Tabacaria,
E lá está ele,
O Esteves.
Podia ser dia, podia ser
apenas um pedacinho de beijo, junto ao rio,
Carecendo de medo. O capuz
ergue-se na penumbra, na mão transporta a espada com que me decapitou e, no
entanto,
Dizem que ele ainda
procura as estrelas da meia-noite.
Coitado. Coitado do
Esteves, embrulhado no seu cigarro, escondendo os chocolates da menina, e
depois
Depois, nada.
Fui à janela. E acreditando
nos meus olhos, diria que esta pincelada maré parece um areal sonolento em
busca de parceiro para enganar a noite.
Já não sei quem sou. Há muito
que não sei quem é o comandante deste naufragado navio, em cartão prensado, numa
qualquer madrugada
Do calendário.
E também não sei
Quem era.
Quem era eu,
Ontem?
Quando o hoje morreu
dentro de um copo de uísque.
Hesito. Apetecia-me uma pêra
ou uma maçã ou uma sandes de salpicão,
Olha…
Prefiro um poema de Al
Berto.
E um copo de uísque.
Tenho medo da vaidade, e
nunca, e nunca fui vaidoso. Tenho medo do vento, e adorava voar,
No teu cabelo,
Dizem-me, dizem-me que é
lindo!
Se a minha mãe fosse
viva, dir-me-ia
O que escreves a esta
hora, meu filho!
Merdas, mãe, merdas sem
sentido.
Ela olhava-me e sempre me
dizia,
Não tenhas medo meu
filho,
Porque um dia…
E calava-se.
FIM
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