sábado, 7 de setembro de 2024

O comandante deste navio está bêbado. Completamente, bêbado. Mas pensando bem, para que quer este navio,

Um comandante,

Bêbado?

Este navio não precisa de comandante. Este navio sempre navegou em piloto automático, depois das seis

Na Ribadouro, sobre a mesa um livro de poemas, um cigarro dispersa-se no quase fim de tarde, oiço-a sonolenta como o vento, e linda como a madrugada.

O povo pensa que sou louco, o povo pensa…

Penso em tanta coisa, como o senhor Álvaro de Campos no poema

A Tabacaria,

E lá está ele,

O Esteves.

 

Podia ser dia, podia ser apenas um pedacinho de beijo, junto ao rio,

Carecendo de medo. O capuz ergue-se na penumbra, na mão transporta a espada com que me decapitou e, no entanto,

Dizem que ele ainda procura as estrelas da meia-noite.

Coitado. Coitado do Esteves, embrulhado no seu cigarro, escondendo os chocolates da menina, e depois

Depois, nada.

Fui à janela. E acreditando nos meus olhos, diria que esta pincelada maré parece um areal sonolento em busca de parceiro para enganar a noite.

 

 

Já não sei quem sou. Há muito que não sei quem é o comandante deste naufragado navio, em cartão prensado, numa qualquer madrugada

Do calendário.

E também não sei

Quem era.

Quem era eu,

Ontem?

Quando o hoje morreu dentro de um copo de uísque.

 

Hesito. Apetecia-me uma pêra ou uma maçã ou uma sandes de salpicão,

Olha…

Prefiro um poema de Al Berto.

 

E um copo de uísque.

Tenho medo da vaidade, e nunca, e nunca fui vaidoso. Tenho medo do vento, e adorava voar,

No teu cabelo,

Dizem-me, dizem-me que é lindo!

 

Se a minha mãe fosse viva, dir-me-ia

O que escreves a esta hora, meu filho!

Merdas, mãe, merdas sem sentido.

Ela olhava-me e sempre me dizia,

Não tenhas medo meu filho,

Porque um dia…

E calava-se.

 

FIM

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