Podíamos falar de Deus
Podíamos falar dos teus
lábios
Ou dos teus olhos
E entre Deus e os teus
lábios e os teus olhos
Prefiro falar dos teus
lábios e dos teus olhos
Porque Deus
Uma complexa equação
matemática
Habita no quadriculado
caderno das tuas mãos
E Deus
Esqueceu-se de mim
Não
Não estou revoltado
Porque Deus
Nunca conseguirá escrever
nos teus lábios
Nem desenhar nos teus
olhos
E eu
Que não sou Deus
Escrevo nos teus lábios
E desenho nos teus olhos
Equações de sono
Movimentos uniformes em
direcção às tuas coxas de silêncio
E Deus
Nunca o poderá fazer
Porque Deus é uma complexa
equação matemática
E como todas as complexas
equações matemáticas
Não escrevem nos teus
lábios
Não desenham nos teus
olhos
Mas posso sempre invocar
a morte
Uma fotografia sem nome
Que com o passar do tempo
Envelhece
Como todas as fotografias
sem nome
Depois recebo uma carta
tua
Onde te despedes do meu
corpo
Como eu
Todas as noites
Me despeço do meu corpo
Até que acordo e sinto na
mão
Todos os desejos do mar
E todas as fotografias
sem nome
E vejo a extinção das
estrelas que os teus olhos vomitavam
Silêncios de luz
E paixões de Outono
Se me ouves
Desenha-me nas tristes
alvoradas
Das mãos de Deus
E sempre que o dia
acordar
Inventa-me neste pequeno círculo
com olhos verdes
E se Deus um dia te
visitar
Não tenhas medo
Porque como todas as
complexas equações matemáticas
São apenas complexas equações
matemáticas
E hoje o mar está
revoltado com o meu corpo em tristes cinzas de melancolia
Alijó, 13/11/2022
Francisco Luís Fontinha
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