Era um tumultuoso vulcão com restos de cigarro no
canto da boca, sabíamos que para lá do risco amarelo, nada, não
existiam mais crateras onde podíamos pegar no ínfimo magma e
transformá-lo em palavras, depois de solidificado
E às vezes, com o vento, o risco sofria pequenas
oscilações, milímetros que podiam ser fatais para um texto de
ficção, não escrito, preguiçoso, mentiam-nos quando nos diziam
que não haviam mais
Depois de solidifico,
Palavras para escrever
E nós sabíamos que existiam milhares de buracos
recheados de letras, algumas azuis, outras verdes, ortografia
tricolor, e pontuações monstruosas, ensanguentadas, quando ouvíamos
o choro incessante dos meninos encurralados junto às árvores de
chocolate, pensávamos que
A vida é um conto de fadas, um poema, um lindo
texto de amor,
Não, não é, e nunca o será
Um livro,
Um pequenino livro, lágrimas de prata, húmidas as
mãos do poeta quando acaricia o corpo da amada secreta, impossível,
imaginária, o mar entra nos corpos em combustão, e eles
Nós sabíamos que os cabelos eram falsificados,
mercadoria isenta de IVA, cultura, o desejo taxado à taxa mínima,
deserta, cambaleando os chinelos do velho Fernando pelo corredor da
morte, inventavam-se lilases olhos com vermelhos perfumes de rosas de
papel, taxada maximamente a velha sopa de feijão que sobejou da
semana estragada, peço desculpa e emendo, da semana passada,
felizes aqueles como nós, os cabelos falsificados de aço, quando
saboreiam os pedacinhos de drageia que o doutor receitou apara
tomarmos ao deitar
Um livro
Antes de adormecer,
E nós éramos felizes
É ou não é verdade?
Um livro, substituído por uma drageia, dispenso a
sopa e fico com as coxas da Amélia, e em termos de IVA fico a
ganhar, porque em tempos de crise é preciso poupar, e entre uma sopa
taxada a vinte e três por cento e saborear as coxas da Amélia,
taxadas a seis por cento...
Preferimos as coxas
Antes de adormecer,
Um livro, um pequeno livro disfarçado de cianeto,
Azul, os joelhos da amada invisível, nua, isenta de
IVA, só minha, como os papeis de andorinha que voavam dias e dias no
quintal de Luanda, e hoje, hoje
Preferimos as coxas
Antes de adormecer,
E nós sabíamos que os corpos mergulhados em mãos
envoltas em poesia são como as ondas do mar, flutuam, e em
ziguezague-zanga lá íamos a caminho de Viseu, parávamos em Castro
Daire, um desvio em Carvalhais, S. do do Sul, para visitarmos o
velhinho avô que ainda carregava às costas a mochila da primeira
grande guerra, e conservava na algibeira do colete as mortalhas e a
onça, depois, regressávamos à velhinha estrada até
Preferimos as coxas
Antes de adormecer,
Até que uns vultos nos visitavam, não sabíamos
que Eram os tumultuosos vulcões com restos de cigarro no canto da
boca, sabíamos que para lá do risco amarelo, nada, não existiam
mais crateras onde podíamos pegar no ínfimo magma e transformá-lo
em palavras, depois de solidificado
As gajas nuas com sabor a literatura,
Nós não sabíamos, minto, sabíamos que as
laranjas são doces quando das mãos de uma deusa inspiração, nua,
nossa, isenta de IVA, inventa palavras tricolores que dormem
silenciosamente nas crateras dos vulcões apaixonados, o avô
velhinho
Um livro
Antes de adormecer,
E nós éramos felizes
É ou não é verdade? Milhares de buracos recheados
de letras, algumas azuis, outras verdes, ortografia tricolor, e
pontuações monstruosas, ensanguentadas, quando ouvíamos o choro
incessante dos meninos encurralados junto às árvores de chocolate,
pensávamos que
A vida não é um livro.
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó
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