sexta-feira, 23 de março de 2012

Gisela

Gisela,
- Os teus olhos
Perguntas-me o que têm os meus olhos e nada, absolutamente nada, os meus olhos são cristais de silício suspensos nas árvores do jardim junto ao mar,
- São palavras que adormecem a minha mão quando acaricio a velha máquina de escrever, eu, eu infinitamente cansado depois da tarde se evaporar entre os algarismos dos ponteiros do relógio, e sim, os teus olhos são palavras,
Ai palavras, se os meus olhos fossem palavras
- Sim Palavras, botões de rosa, um alfabeto recheado de sílabas e vogais e sonhos desfeitos sobre o rio imaginário que circunda o alpendre da noite, e eu sinto o perfume do teu cabelo junto à ombreira da velhíssima porta de madeira, entras e poisas as tuas mãos no silêncio do meu quarto, olho-te e recordas-me as tardes quando eu corria com um papagaio de papel e chorava, e chorava quando ele se prendia na mangueira e ficava com a solidão do cordel na mão,
Eu era feliz, se os meus olhos fossem palavras eu era feliz,
- Mas os teus olhos são palavras Gisela, botões de rosa, um alfabeto recheado de sílabas e vogais e sonhos desfeitos sobre o rio imaginário que circunda o alpendre da noite, e da velhinha máquina de escrever alguns pingos de saliva sobejam dos lábios, as teclas semeadas de reumático, e oiço a voz que atravessa a janela Para a tensão arterial Reumático Próstata Fígado e vesicula e Ulceras, e raio, e raio porque daqui a uns dias vou precisar dessa porcaria toda, mas os teus olhos são palavras
Sabes Tenho medo da tua voz,
- Porquê Gisela?,
Não sei Mas cada vez que oiço a tua voz fico a tremer, não sei…
- Tens medo de mim Gisela?,
Não Não tenho medo de ti, e nunca tive medo de ti, mas a tua voz
- Que tem a minha voz,
A tua voz parece as arcadas do medo quando os cristais de silício estão suspensos nas árvores do jardim junto ao mar, é assim a tua voz,
- Palavras Gisela, Palavras,
E via o rio na algibeira de um parvalhão a fumar cigarros travestidos de haxixe,
- Tens medo de mim Gisela?,
O meu nome é Gisela e sou uma personagem inventada pelo parvalhão que escreve este texto…

(texto de ficção)

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