A miúfa pendurada nos meus olhos quando ao meu lado direito um plátano pregava um sermão aos transeuntes, cansado de os ver apressados pela rua parecendo bengalas suspensas na dentadura postiça do meu vizinho, sabes que horas são, si lá, não sabes, nem sei que dia é hoje quanto mais que horas são, o meu vizinho puxa de um cigarro, enrola-o na língua, mistura-o com a saliva e de labareda em punho, a luz da sala acesa, o fumo engasga-se junto às panelas que na cozinha esperam pela chegada da Silvina, e a Silvina nos terrenos com a focinheira na terra, as cabras sobem e atravessam os muros da tapada, a terra dispersa engole o cansaço da velhice, e no telhado a brancura da neve, as pernas empobrecidas e das mãos calejadas da enxada o sorriso da erva em banhos de imersão, o palheiro, o canastro entupido de milho até à porta de entrada, na eira três galinhas e um porco passeiam-se junto ao mar, Belém, Cascais,
- O Tejo preso a uma âncora, e o Tejo não foge, o Tejo quietinho no cantinho esquerdo da eira, o neto brinca com pequenas pedras, e de vez em quando, de vez em quando atira-as contra o areal de milho, perde o olhar dentro no feijão estacionado entre o milho,
E Cascais, Belém, Cais de Sodré, e putas, e a Silvina já noite, pelo meio da sombra carrega à cabeça erva em gemidos solitários, os coelhos com fome, as cabras à sua frente de lanterna na cabeça, o caminho misturado de cascalho e tojos, e foda-se,
- Piquei-me,
E na cozinha as panelas esperam a Silvina, descarrega a erva como se fosse uma burra de carga, no quarto o marido espetado no tecto à espera que lhe mudem a fralda, o cheiro a merda, a merda da vida, a vida a esfumar-se pela claridade da candeia, o cheiro intenso do azeite encosta-se nas paredes do corredor, e pensa,
- Que saudades de ir ao terreiro, baixar as calcinhas até aos tornozelos, e mijar docemente como uma semente de malmequer, o frio intenso no rabo, e do quarto uma voz gritante,
Silvina, estou cheio de merda.
(texto de ficção)
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