segunda-feira, 26 de dezembro de 2011


59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

A janela da solidão

A terra me engole
E mastiga-me nos alicerces da noite
A terra que se alimenta do meu cansaço
E me enrola na solidão da tarde

A terra me engole
E o mar mistura-se nas minhas mãos
E a maré dorme no meu peito
A terra desfaz o meu corpo em pedacinhos

E o vento
O vento os semeia na ardósia da manhã

Como se eu fosse o musgo abandonado no pavimento
Embebido em sombras
Quando na montanha a tempestade agreste
Entra pela janela da solidão

A terra me engole
A terra me prende ao cais onde barcos de papel
Poisam no sorriso de meninos de calções
E sandálias de couro

E das mangueiras
Desprendem-se papagaios de muitas cores
Recheados de sonhos
Abraçados a um mar invisível

A terra me engole
E de mim nascerão sorrisos
Palavras desconexas
Penduradas nas nuvens do fim de tarde

A terra me engole
A terra alimentar-se-á dos meus sonhos impossíveis
E de mim
E de mim ficará a saudade

domingo, 25 de dezembro de 2011


59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

Silêncio das palavras

Silêncio
O vazio prisioneiro numa mão encharcada de amanhecer
Depois de uma noite de insónia
No cais transparente onde poisam barcos envergonhados
E gaivotas marrecas
Silêncio
Nas palavras
Silêncio
Das palavras
Um corpo de homem evapora-se dentro de um cubo de vidro
Na meia-noite de um relógio caquético
Construído de sucata
Silêncio
Nas palavras
Silêncio
Das palavras
E envelhece o dia
Na algibeira da noite
E o cubo de vidro desfaz-se em grãos de tristeza
O vendaval entra pela janela
E todas as palavras em silêncio
E todas as palavras de silêncio
Adormecem no cais transparente
Onde poisam barcos envergonhados
E gaivotas marrecas
Cessam todas as luzes e cessam todas as palavras

Silêncio
Das palavras
Silêncio
Nas palavras

59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)