sexta-feira, 13 de janeiro de 2012


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

A cidade

84,1 x 59,4 – Francisco Luís Fontinha

A cidade tem os seus medos
Tem a noite
E portas e muitas portas
De saída
De entrada
Na garganta da cidade
As escadas para o sótão
A claraboia com vista para o tejo
Vão e vêm as sombras cansadas com as mãos na algibeira
Entram nas portas de entrada
Fingem que dormem
E os sexos embrulhados em papel de parede
Descem e mergulham no pavimento encharcado
À porta de saída
Uma minissaia presa a um candeeiro
À porta de entrada
Um magala à espera de um cigarro
E na rua junto ao rio
Um automóvel abraçado aos silêncios de Belém
Olha com desdém para a minissaia
E sorri ao magala
O magala entra e senta-se
E os silêncios de Belém
Acariciam-lhe as pernas até que a noite poise neles
E os misture num fumo branco de medo
E sémen

A cidade tem os seus medos
Tem a noite
E portas e muitas portas
De saída
De entrada

A cidade é uma merda.


A caixinha de madeira


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

Se estou deitado e nunca mais me levantarei desta caixa de madeira pergunto-me Fato e gravata e sapato pontiagudo e barba desfeita para Quê,
- Possivelmente vou a alguma entrevista de emprego ou pior Ser submetido aos olhos de deus quando chegar à presença dele e se algum dia lá chegar ele vai olhar-me e sussurrar-me Que lindo,
Nem na morte sou feliz Foram as últimas palavras que lhe ouvi antes de cerrar os olhos numa tarde em Luanda quando os machimbombos engasgados junto à Maria da Fonte o avô domingos descruzava os braços e fazia-se ao caminho e desfeito em silêncios e nuvens de algodão começava a cair-lhe a noite sobre os ombros largos devido aos rolos de pinheiro que carregou durante anos e anos e anos E para quê,
- Que lindo
E ao chegar ao portão de entrada o neto em abraços Que lindo,
- E para quê se nunca mais me levantarei desta maldita caixa de madeira e eu que sempre disse que não queria fato nem gravata nem sapatos porque me aleijam e porque nunca gostei de estrear calçado nem calças Sou alérgico sabe, e estes gajos contra a minha vontade Nem na morte sou feliz,
Em abraços Que lindo e poisava no bairro uma finíssima pelicula de malmequeres e beijos e ais e
- Que lindo,
E porque só desfaço a barba um vez por semana Era preciso desfazerem-me a barba e vestirem-me um fato e a gravata Horrível branca com bolinhas encarnadas que olhando-me ao espelho pareço o chulo da esquina junto ao rio com um caderninho na mão a apontar as horas das cabras saltitantes que pastam nos lençóis inseminados com sémen Chinês porque sempre é mais barato nas pensões decrépitas da cidade agoniada pelo fumo dos cigarros e lágrimas de crocodilo,
- E pergunto-me porquê Que lindo eu aos olhos dele E nem sei se o deva tratar por senhor ou majestade Não sei,
Ai menina Gosto de si E perguntava-lhe em voz de defunto se queria casar com ele Nem morta Era o que me faltava Casar-me com este nojento guardião de crocodilos em pau-preto e conchas compradas em São Tomé e Príncipe,
- Possivelmente vou a alguma entrevista de emprego,
E não casei com ele,
- Só pode ser uma entrevista de emprego porque caso contrário não me enfeitavam desta forma esquisita e que sempre detestei e Horrível branca com bolinhas encarnadas,
Descruzava os braços e fazia-se ao caminho e desfeito em silêncios e nuvens de algodão começava a cair-lhe a noite sobre os ombros largos devido aos rolos de pinheiro que carregou durante anos e anos e anos até que decidiu rumar a Luanda e durante anos e anos e anos a passear machimbombos pelas ruas,
- E não casei com ele e hoje arrependo-me Horrível branca com bolinhas encarnadas E hoje arrependo-me e hoje poisa sobre mim a solidão e as noites de inferno que entram pela janela e se deitam no meu colo e eu e eu afogo-lhe os cabelos e penso nele deitado numa caixa de madeira com a barba desfeita e um fato e uma gravata e sapatos pontiagudos,
Horrível branca com bolinhas encarnadas.

(texto de ficção)

O medo


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

Insónia do amanhecer

Saberei caminhar
Depois de acordar?
E quando descerem as estrelas
E se entranhar a noite nos meus olhos…
Saberei eu descerrar o cortinado da miséria
Depois de acordar?

Saberei escrever
Nas pétalas do teu olhar?

Não sei se conseguirei caminhar
E descerrar…

A insónia do amanhecer

59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

Sonho


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha