décimo oitavo dia de vindima:
está sol, o serviço de obstetrícia de
Castedo do Douro encontra-se encerrado e ainda estou vivo.
Todas as manhãs chamo por
ti
e procuro-te junto às
nuvens sobre os castanheiros
a minha voz transpira no
árduo calor da noite
e vêm até mim as tuas
mãos embrulhadas nos sons do violino
preciso dos teus lábios
que fingem canções à
janela da Primavera
todas as manhãs chamo por
ti
e procuro-te... sobre os
castanheiros
que fingem canções
na neblina dos teus seios
e procuro-te
todas as manhãs
nos sons das tuas mãos
que fingem canções à
janela da Primavera
em cio
sobre o cansado rio
ao final da tarde
quando o dia se veste de
noite
quando sobre ti poisam os
orgasmos do dia
quando...
oiço os sons do teu
desesperado violino.
Mergulho nos cansaços das
pedras doridas
com o coração prisioneiro
num cubo de aço
quando o sorriso da
revolta
dos pássaros
as flores que a noite
come em pedacinhos de nada
a madrugada
a nossa misera madrugada
dos relógios infinitos
o tempo escoa-se nas
escarpas visíveis das rochas amargas
a boca
sem o beijo indesejável
da aranha
abelhas
nas colmeias da insónia,
gostava de preencher os
espaços vazios do medo
com os barcos
envelhecidos
que o rio engole
com a língua do mar,
as abelhas nas colmeias
da insónia
quando a madrugada
quarta-feira em
desalinho,
ontem eu percebia que as
árvores dançavam sobre as mesas de mármore
que no cemitério das
ervas daninhas
as agulhas das tardes de
Outubro
brincam com os comboios
de papelão...
(as abelhas nas colmeias
da insónia
quando a madrugada
quarta-feira em
desalinho),
e descem sobre mim as
lágrimas das nuvens incolores
nas persianas que o sol
tece
e a tua mão semeia na
terra vendada das palavras.
invento palavras
para as tuas mãos de
cetim
invento sorrisos
e olhos de mar
só
apenas para te agradar
invento
palavras
sonhos
momentos
invento dias
noites
invento solidões
e beijos de alecrim
invento
e olhos de mar
amar
invento palavras
para as tuas mãos de
cetim
invento
e olhos de mar
amar
As mãos ensanguentadas de
fome
ao cair a noite sobre a
aldeia de papel
o vento leva todos os
sorrisos da tarde
e o céu absorve as
lágrimas de sofrimento
uma criança inventada
chora em cima da copa de
uma árvore
imaginada
por uma miúda refilona
uma menina traquina
saltitando de rio em rio
e de mar em mar
até se deitar sobre a
areia fina dos sonhos
engraçadinha
preguiçosa
menina teimosa
como um lírio voando
desalinhado dentro dos pontos cardeais
e à lua toca com os
lábios de saudade
comendo as estrelas azuis
e os pontos de luz
pintados de esperança
antes de acordar a
madrugada
as mãos ensanguentadas de
fome
ao cair a noite sobre a
aldeia de papel
o vento leva todos os
sorrisos da tarde
(uma menina traquina
saltitando de rio em rio
e de mar em mar)
sem perceber que o vento
que o vento leva todos os
sorrisos da tarde...
O azul da manhã
poisado na tela
silenciada da solidão
a encarnada dor nos
braços circunflexos dos plátanos
entre as pálpebras do
meio-dia
e os olhos do cansaço
o amarelo flor
dos lábios da preguiça
nos seios do rio
o azul da manhã
em barcos de papel
e papagaios de infância
quando o vento adormece
dentro do desejo
o azul
na tela da solidão
poisado em ti
dos olhos cansaço
as artérias entupidas de
palavras
e versos
e saudade
e azul da manhã.
Assim vou partilhando
as rosas do meu jardim
em jejum caminhando
até ao infinito adormecer
pensando
e esquecendo
os dias de sofrer
dos dias sem viver
assim vou vivendo
comendo as rosas do meu
jardim
fingindo escrevendo
poemas de amor para mim
assim vou partilhando
a noite sem janelas
às palavras belas
das palavras amando...