quinta-feira, 3 de outubro de 2024

 

décimo oitavo dia de vindima:

está sol, o serviço de obstetrícia de Castedo do Douro encontra-se encerrado e ainda estou vivo.

Os castanheiros

 

Todas as manhãs chamo por ti

e procuro-te junto às nuvens sobre os castanheiros

a minha voz transpira no árduo calor da noite

e vêm até mim as tuas mãos embrulhadas nos sons do violino

 

preciso dos teus lábios

que fingem canções à janela da Primavera

 

todas as manhãs chamo por ti

e procuro-te... sobre os castanheiros

que fingem canções

na neblina dos teus seios

 

e procuro-te

todas as manhãs

nos sons das tuas mãos

 

que fingem canções à janela da Primavera

em cio

sobre o cansado rio

ao final da tarde

 

quando o dia se veste de noite

quando sobre ti poisam os orgasmos do dia

quando...

oiço os sons do teu desesperado violino.

A nossa misera madrugada dos relógios infinitos

 

Mergulho nos cansaços das pedras doridas

com o coração prisioneiro num cubo de aço

quando o sorriso da revolta

dos pássaros

as flores que a noite come em pedacinhos de nada

a madrugada

a nossa misera madrugada dos relógios infinitos

o tempo escoa-se nas escarpas visíveis das rochas amargas

a boca

sem o beijo indesejável da aranha

abelhas

nas colmeias da insónia,

 

gostava de preencher os espaços vazios do medo

com os barcos envelhecidos

que o rio engole

com a língua do mar,

 

as abelhas nas colmeias da insónia

quando a madrugada

quarta-feira em desalinho,

 

ontem eu percebia que as árvores dançavam sobre as mesas de mármore

que no cemitério das ervas daninhas

as agulhas das tardes de Outubro

brincam com os comboios de papelão...

 

(as abelhas nas colmeias da insónia

quando a madrugada

quarta-feira em desalinho),

 

e descem sobre mim as lágrimas das nuvens incolores

nas persianas que o sol tece

e a tua mão semeia na terra vendada das palavras.

olhos de mar amar

 

invento palavras

para as tuas mãos de cetim

invento sorrisos

e olhos de mar

apenas para te agradar

 

invento

palavras

sonhos

momentos

 

invento dias

noites

invento solidões

e beijos de alecrim

 

invento

e olhos de mar

amar

 

invento palavras

para as tuas mãos de cetim

invento

e olhos de mar

amar

quarta-feira, 2 de outubro de 2024

A noite sobre a aldeia de papel

 

As mãos ensanguentadas de fome

ao cair a noite sobre a aldeia de papel

o vento leva todos os sorrisos da tarde

e o céu absorve as lágrimas de sofrimento

 

uma criança inventada

chora em cima da copa de uma árvore

imaginada

por uma miúda refilona

 

uma menina traquina

saltitando de rio em rio

e de mar em mar

 

até se deitar sobre a areia fina dos sonhos

engraçadinha 

preguiçosa

menina teimosa

como um lírio voando desalinhado dentro dos pontos cardeais

e à lua toca com os lábios de saudade

comendo as estrelas azuis

e os pontos de luz pintados de esperança

antes de acordar a madrugada

as mãos ensanguentadas de fome

ao cair a noite sobre a aldeia de papel

o vento leva todos os sorrisos da tarde

 

(uma menina traquina

saltitando de rio em rio

e de mar em mar)

 

sem perceber que o vento

que o vento leva todos os sorrisos da tarde...

Quando o vento adormece dentro do desejo

 

O azul da manhã

poisado na tela silenciada da solidão

a encarnada dor nos braços circunflexos dos plátanos

entre as pálpebras do meio-dia

e os olhos do cansaço

 

o amarelo flor

dos lábios da preguiça

nos seios do rio

 

o azul da manhã

em barcos de papel

e papagaios de infância

quando o vento adormece dentro do desejo

 

o azul

na tela da solidão

poisado em ti

dos olhos cansaço

as artérias entupidas de palavras

e versos

e saudade

e azul da manhã.

A noite sem janelas

 

Assim vou partilhando

as rosas do meu jardim

em jejum caminhando

até ao infinito adormecer

pensando

e esquecendo

os dias de sofrer

dos dias sem viver

 

assim vou vivendo

comendo as rosas do meu jardim

fingindo escrevendo

poemas de amor para mim

 

assim vou partilhando

a noite sem janelas

às palavras belas

das palavras amando...