sexta-feira, 27 de setembro de 2024

a morte vestida de árvore

 

ao longe

a eterna morte vestida de árvore

com pássaros azuis

e nuvens encarnadas

 

ao longe

a eterna morte na fogueira da literatura

com poemas de fogo

e palavras de néon

 

ao longe

a morte vestida de branco no espelho de árvore

com lápis de cor

com lábios cinzentos

 

ao longe

eu

eu vestido de morte

com um livro de poemas na mão...

A fuga

 

Desapareceram as escadas

de acesso à noite

fugiram todos os papeis

e todos os livros

 

na parede do quarto

a janela transformou-se em azevinho

com pássaros suspensos nos seus braços

e palavras que voam dentro das asas

 

(uma sílaba estonteada

procura-me no caixote do lixo)

 

e uma mimosa em flor

cresce nos meus olhos sem cor

sem desenhos para pintar

sem palavras para assassinar

 

sou o quê EU?

 

uma sílaba estonteada

procura-me no caixote do lixo

onde restos de sémen

e pingos de seda

se escondem no azevinho

(pássaros suspensos nos seus braços

e palavras que voam dentro das asas)

ao cair da tarde.

A fragrância das tuas sílabas

 

A fragrância das tuas sílabas em seios de andorinha

voando entre lábios e arbustos dos jardins meu peito envenenado

coisas boas

em Lisboa

um rio me chama

e um mar me engole

com sabor a poesia

e ruas de alegria

este louco amor

ao de leve os vulcões sem crateras corações de areia

uivas em gemidos constelações

que o mapa das estrelas lança sobre a lua,

 

queres só para ti o luar

e as janelas belas

que a noite deixa cair nas esplanadas ósseas dos orgasmos que os pássaros em teu redor

remoem

e saboreiam

a liquidificação do sémen das manhãs do eterno Inverno

no deserto enterro

as tuas mãos

em teus lábios desespero

o silêncio

que nas palavras prometidas

escreves e ditas e ditas e escreves,

 

porcarias sem sabor

hormonas voadoras como pássaros incolores

que o amor transporta nos dentes do desejo

desejas-me sabendo que no meu corpo

há parafusos de aço

roldanas

chapas metálicas e zincadas

placas de madeira que a lareira incendeia

come

alimenta

as verdes noites do prazer

quando todos os relógios em ti dormem comem e fodem,

 

o quê?

os governos fodem o povo

o povo fode o vizinho do lado

coitado

do sapateiro

e do barbeiro

fodidos eles

também

pelo governo que fode o povo

em nome de deus

o quê?

A fogueira do sono

 

Gotinhas de sorrisos suspensos nos teus lábios

dissipam-se de mim as faúlhas das tempestades de insónia

o fogo imerso no teu ventre

ao redor das tuas coxas cansadas nas planícies do amanhecer

 

quero ser uma abelha

e voar como as gaivotas da minha terra

vestir-me de silêncios de mar

quando os barcos entram no teu púbis

e da janela da saudade

as flores do teu jardim

transformadas em luz

corre

 

foge de mim entre as árvores pintadas nos muros da infância

e junto à Maria da Fonte

olha-me

deixa-me um sorriso para eu recordar em noites de desejo

 

dá-me a tua mão

e vamos ver os barcos

e vamos aos Coqueiros

e vamos...

 

foge de mim

e olha-me como se eu fosse uma amoreira

sempre adormecida nas palavras da fogueira do sono

a este cansaço sem fim

 

a este cansaço

que amarra os meus braços

às árvores da manhã

a este cansaço

que transforma o meu corpo em caravela

sem vento ou navegação

 

a este cansaço

a esta neblina sobre o cais da partida

a esta vida

 

a este cansaço

geometricamente dentro de mim

sem saída

 

a este cansaço sem fim

no coração de uma avenida

a este cansaço

que amarra os meus braços

às árvores da manhã

 na despedida.

À espera de que acordem as palavras da tua mão

 

Tristemente desiludido

com as palavras da tua mão

perdido

eu

sem coração

 

tristemente suspenso no céu

abraçado à dor em sofrimento

amor

levado pelo vento

 

as viagens até aos teus sonhos

perco-me quando os meus pés poisam na solidão de um barco

enferrujado

não amado moribundo contribuinte sem nome morada namorada flores no meu jardim

cansado

torturado

na imensidão do espaço opaco das abelhas

da lua as clarabóias do destino inexistente

 

tristemente

eu

perdido nas planícies da insónia

não sente

ela

os fluidos derramados nas praias invisíveis sem memória

 

sem coração

levado pelo vento

 

eu

 

à espera de que acordem as palavras da tua mão.

quinta-feira, 26 de setembro de 2024

o eléctrico engasgado sobre o Tejo do engate

 

o arco e a flecha

no meu coração

acorrentado às rochas da morte

ciclicamente

apareces

desapareces

a noite

o dia

o arco e a flecha

num vão de escada

entre corpos mergulhados em sémen

e rosas poema

 

escrevo-te

ciclicamente

as palavras de sofrer

desapareces

apareces dentro do espelho de névoa maculada

escrevo-te

palavras

e rosas poema

 

(O arco e a flecha

no meu coração

acorrentado às rochas da morte)

 

o dia

a noite

em ti todos os desejos

as fotografias

o arco e a flecha

no meu coração

acorrentado às rochas da morte

antes de adormecer

 

o eléctrico engasgado sobre o Tejo do engate

do candeeiro sobejaram rosas poema

e ossos de papel celofane

e antes de me atingires com a flecha envenenada de insónia...

 

corro corro corro

apressadamente à procura dos cacilheiros

tropeço nas acácias pintadas na parede da cozinha

e pela janela

entram as gaivotas do fim de tarde.