domingo, 21 de janeiro de 2024

A minha rua

 

A minha rua não tem nome, vivo no teu coração

Apareço quando acorda em ti

A insónia

E quando abres a janela

Lá estou eu

A olhar-te

 

Lá estou eu ao longe

Vestido de mar

Então digamos que sou o teu mar

A minha rua não tem nome

Mas não me importo

Sendo eu o mar

Tenho todos os nomes de todas as ruas

 

E serei o mar

De todas as tuas janelas

A tua casa é um minúsculo cubo de sono

Também ela escondida numa rua sem nome

Numa rua doente

E serei o mar

Dos teus olhos

E serei o mar de tanta gente.

 

 

21/01/2024

Potro

 

Tão veloz como um potro

No azul silêncio

Tão vento como a madrugada

Tão nuvem como a sanzala

Tão vivo e tão morto

Tão tudo e tão nada

Tão veloz como uma bala

 

Tão magro como um fio de arame

Tão distante

Tão luz brilhante

 

Tão veloz como um potro

Tão só como um poeta

Tão apressado para chegar à meta

 

Tão nervoso no exame

Tão frio e absorto

 

Tão fácil enganá-lo

Tão fácil ser azul

Tão medroso

Quando corre em liberdade.

 

 

21/01/2024

Os pássaros de deus

 

Oiço os pássaros desenhados por deus na geada

São tão lindos, são tão frios

Oiço os pássaros desenhados por deus

E parece que a noite se escapa nos teus dedos…

 

21/01/2024

sábado, 20 de janeiro de 2024

Azul

 

Um pouco te ti azul

Um pouco de ti em apuros caminhos

Um pouco apenas de silêncio

Um pouco em muitas palavras em muitos destinos

 

Um pouco de sol quando o mar é os teus olhos

Um pouco de mel quando a lua é os teus lábios

Um pouco de ti

Em muitos astrolábios

 

Um pouco de dor madrugada

Um pouco de pôr-do-sol envenenado

Pouco de ti azul angustiado

Neste barco desgovernado

 

Um pouco da tua mão

Do teu cabelo no alegre vento

Um pouco de ti no meu pensamento

Um pouco de azul em ti

 

Um pouco de luar

Antes da manhã acordar

Tão pouco em ti doce mar

Tão pouco… o azul.

 

 

20/01/2024

Semente

 

Não sei porque te procuro

Não sei porque te escrevo

Não sei porque devo

Dormir neste poço escuro.

 

Não sei porque te semeio

Nem sei se esta terra é arável

Não sei do teu cabelo afável

Como o loiro centeio.

 

Não sei porque te desenho

Não sei a cor da madrugada

Não sei porque desço a calçada…

 

Não sei porque tenho

Na minha mão a semente…

Nunca o saberei certamente.

 

 

20/01/2024

O reencontro

 

Cada vez que o meu pai ia ao IPO-Porto a uma consulta ou fazer um tratamento, eu comprava um livro e escrevia no final do dia tudo aquilo que tinha acontecido; como se fosse um diário interrompido no tempo.

Nos últimos anos tive medo de encontrar estes livros.

Hoje, enquanto colocava livros numa caixa, dei com dois desses livros.

Um de 27/01/2015 e outro de 23/06/2015.

A escavação de Andrei Platónov e o filho de mil homens de Valter Hugo Mãe, respectivamente.

 

IPO-Porto, 27/01/2015

 

 

Orvalho de ossos

 

Não te oiço

Olho os pássaros suspensos nas árvores

E imagino-te um poema em construção

Não te oiço

Mas sinto o ranger do teu corpo

Como um sino descontrolado

Triste…

Tão triste que não sei o significado da dor

Tão triste… que se aprisiona no silêncio de um longínquo corredor

Tens nos olhos a noite espetada e não existem estrelas nas tuas mãos…

Nem flores no teu sorriso

(…)

 

IPO-Porto, 23/06/2015

 

 

O pai está muito frágil. Só consegue andar em cadeira de rodas.

Tem anemia e começou a fazer tratamento.

Os últimos dias têm sido uma mistura de cansaço e de tristeza, mas hoje, no final da tarde parece-me que tem algumas melhoras…

 

- cadeirão 13;

- líquido vermelho;

- enfermeira muito simpática;

 

Talvez!

As palavras

 

Enrolado no teu cabelo, vive o sono,

Que me roubas todas as noites,

 

E me roubas as estrelas,

E a lua,

E as palavras.

 

20/01/2024