Cada vez que o meu pai ia
ao IPO-Porto a uma consulta ou fazer um tratamento, eu comprava um livro e escrevia
no final do dia tudo aquilo que tinha acontecido; como se fosse um diário
interrompido no tempo.
Nos últimos anos tive medo
de encontrar estes livros.
Hoje, enquanto colocava
livros numa caixa, dei com dois desses livros.
Um de 27/01/2015 e outro
de 23/06/2015.
A escavação de Andrei
Platónov e o filho de mil homens de Valter Hugo Mãe, respectivamente.
IPO-Porto, 27/01/2015
Orvalho de ossos
Não te oiço
Olho os pássaros
suspensos nas árvores
E imagino-te um poema em
construção
Não te oiço
Mas sinto o ranger do teu
corpo
Como um sino
descontrolado
Triste…
Tão triste que não sei o
significado da dor
Tão triste… que se
aprisiona no silêncio de um longínquo corredor
Tens nos olhos a noite espetada
e não existem estrelas nas tuas mãos…
Nem flores no teu sorriso
(…)
IPO-Porto, 23/06/2015
O pai está muito frágil.
Só consegue andar em cadeira de rodas.
Tem anemia e começou a
fazer tratamento.
Os últimos dias têm sido uma
mistura de cansaço e de tristeza, mas hoje, no final da tarde parece-me que tem
algumas melhoras…
- cadeirão 13;
- líquido vermelho;
- enfermeira muito
simpática;
Talvez!