domingo, 14 de janeiro de 2024

O veneno mel

 

Morres-me em cada equação que resolvo,

Morres-me em cada poema que escrevo,

Em cada manhã que acorda.

Morres-me em cada mar que sofre

E implora

Que não me morras.

 

Morres-me quando se ergue o sol

E ilumina os campos de milho de Carvalhais,

Oiço ao longe o sino da igreja,

Oiço ao perto,

O moinho eléctrico do tio Serafim,

E ficava horas à janela a olhar os melros.

 

Morres-me quando a noite é insónia,

E penso que será melhor assim,

Morreres-me antes que seja dia.

Morres-me quando uma fina lâmina de sémen

Pois nos lençóis do silêncio…

E uma abelha deixa nos teus lábios o veneno mel.

 

 

14/01/2024

Agosto

 

É uma lágrima de rosa, a tua mão no meu rosto

É o jardim da madrugada, que todos os dias ao acordar

Me faz lembrar as noites de Agosto

E as tardes junto ao mar.

 

 

14/01/2024

Os teus olhos

 



São tão meus os teus olhos, são de água, os teus olhos

São a serpente abraçada ao veneno

Quando os teus olhos me matam

Por tu quereres ou por engano

Mas matam-me.

 

14/01/2024


sábado, 13 de janeiro de 2024

Porão de embarque

 

Pergunto a este navio

Se me leva no seu porão

Até alto-mar

Pergunto-lhe em que camarote te escondes

Que ainda hoje não vi os teus olhos

 

Pergunto-lhe se depois da maré

Me leva aos teus olhos

Será que ele sabe onde se escondem os teus olhos?

 

Pergunto a este navio

Porque tem de ser assim

Assim desta maneira…

Distante

Escondido neste porão de embarque

 

À procura dos teus olhos

Pergunto a este navio

Se em alto-mar me liberta dos teus olhos

E dos teus lábios

Que ainda hoje não os vi.

 

 

13/01/2024

lágrimas da noite

 

sangra o teu corpo de asa branca

abençoado pela maternidade

na mão desta rosa bravia

sangra o teu corpo

no sorriso dos primeiros pinheiros da manhã

quando o sol é ainda uma criança

 

na lembrança de um adeus

sangra o teu corpo

flor madrugada

que o pensamento alimenta

nas lágrimas da noite

e nos lábios da saudade

 

 

13/01/2024

Pedacinho de porcelana

 

Oiço o teu primeiro gemido

E o mar é tão lindo,

Meu amor.

 

Sinto a tua primeira lágrima

Na cânfora manhã,

E percebo que tu és especial,

Como um pedacinho em porcelana,

Tão pequenino,

Meu amor,

Que me apetece esconder-te na minha mão.

 

 

 

13/01/2024

Madrugada

 

Amo-te, flor cardume dos navios em alto-mar

Simplicidade dos oceanos

Profundeza da terra

Amo-te, pedacinho de manhã envergonhada

Rosa doirada

Fogo desta lareira,

 

Amo-te, espada embainhada

Quando a tarde é uma criança

Que brinca nos teus lábios

Amo-te, seara das minhas mãos

Quando de um livro

Emerge o poema do teu olhar,

 

Amo-te, enquanto o sol dorme

E a lua se banha no mar

E a medusa se alicerça aos teus cabelos

E os teus cabelos baloiçam como duas cordas de nylon invisíveis

Como dois pássaros feridos

À espera de ver a madrugada.

 

 

13/01/2024