quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

Os teus lábios

 

Os teus lábios adivinham o silêncio

A chuva a cair

Ou a neve

Antes de chegar,

 

Os teus lábios adivinham o poema

E as palavras do poema

Os teus lábios

Adivinham

Inventam coisas

Nos meus lábios

Desenham coisas

Nos meus lábios,

 

E escrevem coisas

Tantas coisas

Nos meus lábios,

 

Os teus lábios adivinham quando há luar

Quando a lua está triste

Ou a chorar

Ela chora

Adivinham

Quando as estrelas se vão embora

Lá para longe muito longe

Longe do mar,

 

Os teus lábios adivinham o fogo vestido de noite

A noite a fugir ao dia

E o dia

O dia tu já tinhas adivinhado

Mais um

Um dia,

 

Os teus lábios adivinham

Adivinham coisas

Tantas coisas

Tantas

Como os meus lábios

Se esforçam

E anseiam

Pelos teus lábios.

 

 

10/01/2024

Silêncio de amar

 

Cai sobre o mar

O que cai

Cai pedra laminada

Cai ar

Cai a madrugada

E um pequenino ai.

 

Cai sobre o mar

O que cai

Cai a manhã ensonada

Cai o luar

Cai a mão alvejada

No silêncio de amar.

 

 

10/01/2024

Fraga manhã

 

Fraga manhã em sono despedida

Quando a ribeira

Poisa na eira

Quando um pássaro com a asa ferida

 

Cai sobre o lamacento chão

A fraga manhã olha-o e alegra-o e pede-lhe clamor

E perdão

E ele oferece à fraga manhã uma flor

 

O pássaro nunca mais se viu

A fraga manhã desapareceu

E partiu

Em direcção ao céu

 

Fraga manhã teu perfume

Teu nada teu silenciar da alvorada

Com sede e ciúme

Com fome da madrugada

 

Fraga manhã pedindo perdão

Fogueira que arde no meu peito

Que se esconde em minha mão

E fica envergonhada e sem jeito

 

Fraga manhã em sono despedida

Quando a ribeira

Anuncia a falsa partida

Quando a ribeira tem olhos de feiticeira

 

 

 

Noite de 09/01/2024

Tarde de 10/01/2024

Poesia

 

Se tu fosses o mar

E eu fosse a Terra

Se tu fosses a Lua

E eu fosse o Sol

Se tu fosses a paixão

E eu um pedacinho do teu coração

Se tu fosses uma canção

E eu ter a tua mão

Se tu fosses uma estrela

E eu fosse um buraco negro

Se tu fosses a serra

E eu fosse a ribeira,

E fosse a Terra

Se tu fosses o mar a Lua a Paixão ou canção

E eu fosse a Terra o Sol um pedacinho do teu coração ou buraco negro…

A noite chamar-se-ia invisível

E o dia

Poesia.

 

10/01/2024

Tristeza

 

Tristeza

É acordar

E não ter pão,

 

É ter o mar na mão

E na mão não ter o mar,

 

Tristeza

É acordar

E sentir um vazia no coração,

 

É gritar e dizer NÃO

É NÃO e não ter pão,

 

Tristeza

É acordar

É não ter pão nem ter o mar

 

 

10/01/2024

Noite

 

Brevemente é noite

O meu corpo fica frio

A minha voz

Fica silenciada

À janela

 

E da minha janela

Nada

Nada tenho para ver

 

Brevemente é noite

Brevemente é sombra

O corpo tomba

Na luz apagada

No chão invisível

 

É quase noite

Em mim

No meu corpo

Nas minhas mãos

Nos meus olhos

 

É quase

Tão quase como o meu jardim morrer de ataque cardíaco

Como das minhas mãos nascer o poema mais parvo

De todos os poemas parvos que escrevi

(todos os meus poemas são parvos)

 

A noite não

A noite não é parva

 

A noite nunca é parva

A noite é uma prostituta

Em busca de dinheiro

Deixando o prazer no cacifo do desejo

 

E eu aqui

Quando brevemente é noite

Quando o meu corpo fica frio

Quando a minha voz fica silenciada

Quando os cigarros me acordam

Quando é brevemente

Noite escura

Noite

 

 

10/01/2024

O Rei da Arte

 

Escura, tão escura a tua voz

Quando se aproxima de mim,

Tão curvilínea a tua voz,

Minha querida,

Como se fosse uma jarra com flores,

Duas mãos entrelaçadas,

Dois lábios envenenados

Na despedida.

 

Escura, meu amor,

Minha querida…

Tão triste é a tua voz,

Tão escura é a tua voz,

Tão de noite e tão de dia,

É a tua voz,

Que vive no meu jardim.

 

Escura, pedacinho de silêncio deste oceano sem nome, deste monstro de mar, que há quem chame de saudade,

Tão triste a tua voz,

Tão escura, a tua voz de amêndoa ou de criança mimada,

Montanha,

Ribeira,

Quando a tua voz se ergue a Deus,

E Deus, indiferente à tua voz,

Escura.

 

Escura, a tua voz,

Silêncio em mim porque acaba de acordar a tarde,

Porque me apelidaram de Francisco,

O Rei do mar

O pedinte da Arte.

 

10/01/2024